Por Gisele Coutinho
Organização, tecnologia, saberes tradicionais e muito trabalho duro são os segredos para a transformação das comunidades Anã e São Francisco, na Resex Tapajós-Arapiuns, em busca de uma vida mais doce. Com apoio técnico do Projeto Floresta Ativa, do Projeto Saúde e Alegria (PSA), moradores que sempre produziram mel estão recebendo apoio técnico e adaptando seus conhecimentos no manejo para prosperar. E as coisas estão indo bem, viu!
O sonho do produtor José Dirlei, da comunidade Anã, de ver seu mel sendo vendido fora da comunidade que vive, pelo Brasil e até pelo exterior, está cada vez mais perto.
Um dos desafios já foi superado: a cadeia da meliponicultura foi aprovada por meio da Portaria N°7554/2021 publicada no Diário Oficial do Estado, em novembro de 2021, a partir de proposta levada à Agência de Defesa Agropecuária do Pará (Adepará) pelo PSA, o que estabeleceu critérios para qualidade e requisitos para cultivo do mel de abelhas sem ferrão. Com isso, virou política pública estadual. Resumindo, essa regulamentação é o que permite hoje que produtores sigam requisitos para ter seu mel no mercado formal.
O avanço agora se dará com a construção de uma agroindústria, hoje em andamento, com inauguração prevista para novembro de 2022 em Santarém. A nova infraestrutura vai absorver a produção dessas comunidades, processar, envasar e comercializar, garantindo a compra do mel por preço justo.
Gente da terra
Para quem sempre fez isso na vida, como José Dirlei, a produção de mel é considerada um trabalho “fácil”. Dali garante fonte de renda e proteção da floresta.
“É mais fácil que outro tipo de trabalho mais pesado. É fonte de renda a partir dos recursos naturais, mas com o que aprendemos aqui no Projeto Floresta Ativa, não só criamos abelhas, mas criamos árvores para que as abelhas possam coletar o néctar para produzir o próprio mel. Quero avançar com isso e deixar um legado para mim e para minha família”.
Já para Cilene dos Santos Souza, da comunidade de Vila Gorete, tudo é muito novo e promissor.
“O que me chamou muita atenção é que é algo que está aqui na nossa natureza, tão fácil de se lidar, né? Mas devemos primeiro ter o conhecimento, as técnicas. Não participei de nenhuma colheita ainda, estou iniciando e tendo agora conhecimento. Vou poder ter um dinheirinho e é um incentivo, vou poder participar”, comemora.
Tradição e técnica
Agora, com auxílio técnico e novas tecnologias para não errar nos processos de manejos, evitando, por exemplo, contaminações, o mel de Dirlei, de Cilene e de tantas outras famílias renderá mais doçura a essas comunidades. É o que contou ao Pará Terra Boa Jerônimo Villas Boas, consultor do PSA, que está na Resex Arapiuns, na comunidade São Francisco.
“Esse território historicamente desenvolve essa atividade. Na Resex Arapiuns existem dezenas de comunidades, dezenas de produtores que manejam centenas de colônias de abelhas nativas e exploram esse produto para alimentação e comercialização. Durante muito tempo essa comercialização foi informal, ela acontecia localmente, fruto de uma rede de distribuição autônoma organizada pelos próprios produtores. Recentemente nos colocamos no papel de apoiá-los na formalização desse processo”.
Para Jerônimo, a expedição é uma missão, em que tradição e novas tecnologias estão de mãos dadas:
“Vamos junto aos produtores desenvolver um processo de extração de colheita do mel que interaja com essa nova forma de produzir, que é o jeito formal. A gente tem observado os métodos tradicionais de produção e desenvolvido tecnologias, mas, tecnologias sociais que sejam compatíveis com a realidade daqui, justamente para fechar essa cadeia que começa na criação de abelhas no meliponário, que é o espaço onde as abelhas são criadas”, explica o técnico.
O mel seguirá em baldes transportados para Santarém. Lá será processado.
“A gente está aqui justamente nesse esforço de desenvolver um sistema simples e acessível de mel que garanta sua qualidade e que garanta a perspectiva de ele ser regularizado, mas que seja compatível com a realidade das populações tradicionais da Amazônia”.
Permanecer na floresta
Além do novo conhecimento que chega até as comunidades, também tem outro pilar importante nessa cadeia: fazer com que o povo fique na floresta, já que a importância da produção de mel de abelha sem ferrão para a região é muito grande.
“É uma das alternativas para geração de renda na comunidade de São Francisco, que é uma das pioneiras nessa atividade. Então, lutamos para que essa atividade seja promissora aqui e que faça com que a população permaneça nessa região”, afirma Manoel Edvaldo Santos Matos, presidente da Cooperativa dos Trabalhadores Agroextrativistas do Oeste do Pará.
‘Poupança viva’
Pelo jeito, o remédio para vários males, seja social, econômico, tecnológico ou de preservação do povo e da floresta, está no mel. É medicinal e, como diz um dos produtores da região, “o mel é uma poupança viva”.
Caetano Scannavino, coordenador do PSA, ressalta que uma família com 100 caixas de abelha pode gerar R$ 15 mil ou mais por ano apenas com mel, sem falar em pólen, geleia real, própolis e outros derivados, além de ajudar a floresta a continuar em pé, melhorando, inclusive, a produtividade agrícola.
Ameaçadas
Informações da Adepará apontam que a criação de abelhas sem ferrão é uma realidade no Estado, principalmente nas áreas de várzea, e chega a ser 30 vezes maior que a de abelhas com ferrão.
O mel de abelhas sem ferrão é um alimento natural produzido pelas abelhas da tribo Meliponini (Hymenoptera, Apidae) a partir do néctar das flores e outros líquidos procedentes de partes vivas das plantas ou de excreções de insetos sugadores de plantas, que as abelhas coletam, transportam, combinam com substâncias específicas próprias, desidratam, armazenam e deixam maturar em potes de cera nas respectivas colônias.
Mesmo com benefícios econômicos e ambientais a partir da atividade do cultivo de abelhas sem ferrão, essas espécies estão ameaçadas pelo Brasil. Pesquisa da Embrapa lembra que são abelhas, e outros insetos, que polinizam a flora nativa, as lavouras e os pomares, contribuindo para a produção de alimentos e para a manutenção da biodiversidade vegetal. No entanto, sua sobrevivência está ameaçada por desmatamentos, queimadas e uso indiscriminado de agrotóxicos, além do processo predatório de retirada do mel.