Por Gisele Coutinho
O cacau colhido totalmente maduro, fermentado, com boa secagem e com uma torra mais baixa garante aromas e sabores inesquecíveis quando transformado em chocolate. E todo esse processo começa lá na lavoura. É a mão experiente de quem planta e colhe cacau que sabe a hora certa da colheita, com o fruto no ponto, nem verde, nem quase maduro ou passado. É no ponto certo!
O fruto tem que ser colhido com uma quantidade de poupa necessária para render uma boa fermentação. Entre esses segredos do manejo, o produtor paraense vem se destacado. Que nosso Pará é uma potência produtiva de cacau, a gente sabe. Mas, alguns números, como a produção do cacau em pó, por exemplo, deixam a gente com a pulga atrás da orelha se compararmos aos números da produção baiana, nossa eterna rival quando o assunto é cacau – no melhor sentido, é claro!
O Pará Terra Boa conversou com um empresário que “respira chocolate” desde criança e que tem forte vínculo com o cacau paraense para entender um pouco mais sobre o que vem sendo feito e o que falta para o povo paraense aproveitar socialmente e economicamente os benefícios de ser o maior produtor do fruto no Brasil.
Tradição familiar
Ernesto Neugebauer iniciou a carreira aos 17 anos como classificador das amêndoas de cacau na empresa fundada pelo bisavô em Porto Alegre em 1891, a Neugebauer, primeira fábrica de chocolate do Brasil.
Na década de 1980, Ernesto ficou sócio da Harald, vendida a um grupo japonês em 2015. E em 2020, o empresário resolveu deixar um legado com um trabalho mais sustentável no ramo do chocolate. Nascia a Danke, com uma fábrica para processar o cacau in natura ao lado dos produtores paraenses, em meio à floresta.
Comparação com a Bahia
Com capacidade para 18 mil toneladas de cacau, a fábrica da Danke é totalmente automatizada e conta com enxutos 30 funcionários. O investimento custou R$ 60 milhões para estar em Medicilândia, com pouco mais de 30 mil habitantes à beira da Transamazônica. É movida a energias renováveis, como a biomassa e a casca do próprio cacau.
A cidade é a maior produtora de cacau do Pará. Somente em 2019, o volume foi de 44.738 toneladas e superado em 2020, com 50.160 toneladas. Para se ter ideia, em segundo lugar vem Uruará, com 19.714 toneladas de cacau produzido em 2020.
Apesar da grande produção, o investimento na indústria cacaueira da Bahia e as exportações ainda são bem maiores que na paraense. Segundo estudo da Fundação Amazônia de Amparo a Estudos e Pesquisas do Pará (Fapespa), a cacauicultura baiana registra maior volume de exportação de cacau em pó e produtos provenientes do cacau, os quais possuem maior valor agregado que o cacau puro, além de preços mais elevados no mercado internacional. O Pará exporta 99% de cacau ainda bruto.
“Na verdade, as grandes processadoras estão todas na Bahia. Muito do cacau em pó produzido na Bahia é feito com amêndoa paraense. O cacau viaja até Ilhéus para ser processado lá”, explica Ernesto.
Em 2021, a Bahia exportou 98% de sua produção de cacau em pó e apenas 2% do cacau bruto, enquanto o Pará exportou apenas 0,09% de cacau em pó e o montante de 99,91% do cacau bruto. O número aponta como a industrialização do cacau no Pará ainda deixa a desejar e o quanto pode crescer.
Prêmio por sustentabilidade
Então, a saída para o produtor paraense é investir na qualidade do cacau e fazer tudo certo porteira para dentro. Para vender o fruto para a Danke, ele precisa cumprir uma série de quesitos de sustentabilidade.
“Temos um protocolo de 21 obrigações para fornecer cacau para a gente, entre elas, sobre a infraestrutura que ele tem que ter dentro da fazenda, o manejo agrícola sobre o que ele aplica, como eventualmente trabalha com produtos químicos, crianças na escola e com carteira de vacinação em dia, entre outras questões”.
Segundo Ernesto, já é possível ter um panorama logo no primeiro olhar quando eles visitam as propriedades pela primeira vez.
“Ao assinar o protocolo, nós pagamos um prêmio que pode variar de 25 a 30% em cima do preço do cacau cotado no dia. Então, além de conseguir ter bons parceiros, todos ficam ávidos pelo prêmio e começam a corrigir suas práticas a partir do protocolo”, explica.
Também é necessário fazer bom manejo de fermentação e secagem para alavancar esse prêmio. “O cacau é responsável por 90% da qualidade do chocolate”, reforça.
Além de Medicilândia, produtores de regiões próximas já abastecem a Danke, que começou com 6 produtores em 2020 e hoje conta com cerca de 60.
“Fermentação foi nossa maior dificuldade. No Pará, diferente da Bahia, a grande indústria não exigia a fermentação de cacau. Essa cultura da fermentação e da secagem que já existe na Bahia foi um desafio no Pará”.
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