A abertura de estradas afeta, muitas vezes, a fauna que vive nos ecossistemas vizinhos. Mas existem maneiras de minimizar esse impacto, como a construção de passagens para os animais: por cima, para os que vivem mais nas árvores, ou por baixo da estrada, para os terrestres. Os caminhos entre as copas das árvores são chamados de passagens de dossel.
Em uma estrada vicinal do município de Guareí (SP), a bióloga Francini de Oliveira Garcia, da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), instalou dois tipos de passagem de dossel com o objetivo de verificar sua eficácia para evitar atropelamentos de micos-leão-pretos (Leontopithecus chrysopygus). O trabalho também comparou o uso das passagens de madeira e de corda pelos primatas.
Como eram as passagens?
As passagens foram instaladas em 2017 no local em que ocorreram os atropelamentos em 2013. Ambas têm 13 metros (m) de comprimento e foram colocadas a 6 m de altura, afixadas em postes instalados dos lados da vicinal. A de madeira é um tronco de eucalipto (Eucalyptus umbra), não tratado, com cerca de 20 centímetros (cm) de diâmetro. A outra é uma espécie de escada de corda colocada na horizontal. Tem 50 cm de largura e “degraus” feitos de tubo de PVC (policloreto de vinila, um tipo de plástico) anti-inflamável, com espaço de 40 cm entre eles.
As estruturas foram monitoradas por duas câmeras colocadas nos postes de sustentação das pontes, que funcionavam 24 horas por dia. Garcia recolheu as imagens mensalmente durante dois anos.
A bióloga assistia às gravações, separando aquelas em que havia animais usando as estruturas por espécie e por modelo de ponte utilizada. Foi feita uma parceria com a prefeitura de Guareí para a colocação da escada e a cessão de um funcionário capacitado para acessar as câmeras no alto da rodovia.
Como os animais reagiram?
O mico-leão-preto, o esquilo brasileiro, um roedor não identificado, mais uma espécie de roedor da família Cricetidae e uma espécie de lagarto da família Scincidae usaram apenas a ponte de madeira. Duas espécies de mamíferos (outro roedor da família Cricetidae e a cuíca-lanosa) utilizaram apenas a ponte de corda. E três espécies de mamíferos usaram ambas: o ouriço-cacheiro, o gambá-de-orelha-preta e uma outra espécie de roedor da família Cricetidae.
Dos 702 eventos de travessia registrados pelas câmeras, 527 ocorreram na ponte de madeira e 175 na ponte de corda. Considerou-se um “evento” cada vez que o animal ou grupo utilizou as passagens. Do total de eventos, 500 ocorreram na estação seca e 202 na estação chuvosa.
“Sugerimos que o movimento dos micos-leão-pretos de um lado para o outro é impulsionado por exigências biológicas dentro da sua área de vida original, cortada pela estrada. As travessias ocorreram em ambas as direções e a maioria dos eventos de travessia ocorreu nos meses secos, quando a disponibilidade de frutos é reduzida e o consumo de presas é maior, aumentando o esforço para obtenção de alimentos, em comparação à temporada chuvosa.”
De acordo com Garcia, na estação chuvosa esses primatas se alimentam de frutos carnosos e doces, enquanto na estação seca a dieta inclui invertebrados, folhas, brotos e seivas de árvores.
“Uma pergunta que tínhamos era se as espécies iriam usar as estruturas simultaneamente à passagem de veículos na rodovia. E concluímos que isso não interferiu no uso, não foi um fator limitante. Nem o ruído do automóvel, nem as luzes. Mesmo com o veículo lá embaixo, as espécies se sentiam seguras para usar as passagens.”
No caso do mico-leão, a utilização da passagem de madeira aconteceu aos poucos. “No primeiro ano, ela foi pouco usada, apenas um indivíduo do grupo; no segundo ano aumentou a frequência de uso e o número de indivíduos que utilizava a estrutura; e, no último ano, os nove indivíduos do grupo usaram simultaneamente a passagem e com maior frequência.”
Garcia ressalta que, entre os primatas estudados, cada indivíduo tem uma personalidade. “Cada um tem um ritmo para confiar na estrutura. Por isso, é preciso tempo para avaliar o uso das passagens. Há sempre os que vão na frente. Os outros os veem e vão também. E os filhotes aprendem com os pais.”
Os resultados da pesquisa mostram que ambos os desenhos de pontes de dossel funcionam para espécies arborícolas, mas a de madeira foi utilizada por um maior número de espécies, incluindo o mico-leão-preto ameaçado de extinção.
Fonte: Karina Ninni, Agência Fapesp