Por Gisele Coutinho
Todo paraense sabe o que é a maniçoba, que a origem do prato é indígena, que o prato é uma joia da gastronomia paraense tendo como principal ingrediente a maniva, a folha da mandioca moída. A maniçoba até conquistou o título de patrimônio cultural do Pará neste ano de 2022. Agora, já parou para pensar os motivos que levam o prato demorar pelo menos sete dias para ficar pronto?
O Pará Terra Boa foi atrás de explicações científicas para desvendar esse mistério gastronômico pouco conhecido por quem não é do Norte. Quem explica tudo é a pesquisadora da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), Laura Abreu, que tem a maniçoba como um dos seus pratos preferidos no dia a dia e não somente em datas festivas.
Qual é a substância química?
Ela explica que as folhas cruas de mandioca apresentam grandes quantidades de substâncias químicas que podem ser chamadas de compostos cianogênicos. Os resíduos também podem estar presentes na maniçoba pronta.
“O processamento tem sido reconhecido como a maneira mais eficiente de controlar os teores de cianógenos presentes em cultivares de mandioca, até o alcance de níveis seguros para consumo”, ressalta.
Laura destaca que as principais técnicas de processamento industrial utilizadas na diminuição do princípio tóxico da mandioca, tanto folha quanto raiz, envolvem processos como maceração, feita no preparo do tucupi e da maniva, por exemplo, cocção, secagem, torração para elaboração da farinha e fermentação que também é usada no tucupi. Em alguns pratos é feita a combinação desses processos.
“Os 7 dias e 7 noites foram tradicionalmente adotados para elaboração da maniçoba e repassado por gerações”, lembra. “Aparentemente, a maioria destes métodos são eficazes na redução do teor de cianeto de hidrogênio ou ácido cianídrico, porém, é comum encontrar teores residuais desses compostos capazes de produzir sintomas de intoxicação”.
Importância do preparo?
“A presença destes compostos tóxicos na mandioca e em seus derivados, como a maniçoba, tem sido motivo de preocupação devido aos seus possíveis efeitos na saúde. As principais doenças associadas a dietas ricas em compostos cianogênicos incluem o bócio, o hipertireoidismo, resultante do tiocianato no metabolismo, do iodo, a neuropatia atáxica tropical, que é uma desordem neurológica, e o konzo, que é uma paralisia instantânea e permanente que pode levar ao óbito, muito frequente na África”.
Então, nada melhor que diversificar a alimentação. “Como nossa população tem o hábito de consumo, altos residuais podem ser um problema a ser considerado”.
Junto e misturado
Além da maniva, o prato típico leva outros ingredientes que podem, inclusive, minimizar os perigos da intoxicação pelos compostos cianogênicos, como toucinho defumado, pé, orelha e rabo do porco salgados, lombo suíno, costela entre outros ingredientes.
“Em particular, a adição de carnes na maniçoba também contribui para a eliminação desses resíduos, tornando o prato mais seguro. Contudo, somente as análises químicas de laboratório ou testes poderiam informar ou garantir os níveis de cianeto”, explica Laura.
E o povo paraense não é bobo. Desde 2016 a Agência de Defesa Agropecuária do Estado do Pará (Adepará) aprovou um regulamento técnico, criando o Padrão de Identidade e Qualidade da Maniva Cozida, para produção e comercialização no Estado do Pará. O documento ainda detalha informações sobre norma de identidade, qualidade, acondicionamento e rotulagem da maniva cozida, além de exigências básicas para construção e funcionamento de estabelecimentos produtores entre outros pontos.
“Os cuidados higiênico-sanitários na limpeza das folhas quando vêm do campo e no transporte e armazenamento da maniva cozida devem estar sempre sob refrigeração ou congelamento”, lembra a pesquisadora.