A agricultura familiar está perdendo espaço para o agronegócio dos grandes produtores.
A Articulação Nacional de Agroecologia (ANA) apresentou o estudo “Brasil, do flagelo da fome ao futuro agroecológico – Uma análise do desmonte das políticas públicas federais e a agroecologia como alternativa”, que reúne e analisa, pela primeira vez, os principais atos de desmonte de políticas públicas federais de apoio a agricultura familiar, agroecologia e segurança alimentar e nutricional no País.
O paraense sabe que o agricultor familiar não consegue competir com o grande produtor. O pequeno precisa muito mais do apoio público do que os gigantes do agronegócio. O estudo leva à conclusão de que ninguém deve ficar para trás porque foi graças ao apoio dessas políticas públicas que o agricultor familiar saiu adiante.
Elaborado por especialistas da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e da Universidade Livre de Berlim, o documento também aponta as práticas agroecológicas como solução para reversão do quadro de fragilização das políticas agrícolas, ambientais e alimentares.
“Nos últimos anos, vimos a redução ou extinção das políticas públicas federais para o campo, por isso, reunimos um conjunto de elementos e argumentos sobre esse processo de desmonte, que acaba sendo muito mais amplo que isso”, diz a pesquisadora Catia Grisa, coautora do estudo.
Rastro da destruição
Para os autores, a análise não deixa dúvidas que o desmonte também acabou por favorecer setores do agronegócio e a indústria de alimentos processados.
Segundo o estudo, quase 70% dos recursos do Pronaf (Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar) vão para fazendas do Sul do País voltadas a commodities de exportação.
“Não há dúvidas de que os desmontes em curso foram fruto da entrada de uma nova coalizão de atores na estrutura do Estado, os quais defendem o Estado mínimo, a existência de uma única agricultura no Brasil e não reconhecem a importância e a diversidade de modos de vida da agricultura familiar e camponesa”, diz Grisa.
“A análise trouxe muitos resultados interessantes, mas creio que o principal deles é desvelar que o que ocorreu com as políticas agrícolas, ambientais, alimentares e de desenvolvimento rural nos últimos anos foi o resultado de uma estratégia deliberada para favorecer determinados setores das elites agrárias e financeiras, em detrimento da ampla maioria da população brasileira”, diz o pesquisador Paulo Niederle, também coautor do estudo.
Segundo o documento, a reestruturação do aparato federal de apoio ao meio rural deve priorizar a agroecologia como alternativa viável para recuperação da capacidade de produção, distribuição e comercialização de alimentos saudáveis para a população do campo e das cidades.
Uma das políticas do governo federal mais utilizadas pelos agricultores familiares sob ameaça está o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), que direciona compras públicas desses produtores familiares a escolas e hospitais. Para se ter uma ideia, a verba do governo para o PAA caiu de R$ 1 bilhão em 2014 para R$ 168 milhões em 2019. Neste ano, o PAA está ainda mais enxuto, com verba de R$ 135 milhões.
Outra política desmontada sob o atual governo e destacada pelo relatório é a assistência técnica rural com enfoque agroecológico.
“Hoje, a assistência técnica pública diz para o produtor familiar que tudo o que ele faz é errado, que a semente que ele usa é ruim, que se ele não usar adubo sintético e agrotóxico, não vai produzir —um discurso que busca, inclusive, fazer com que o pequeno produtor se sinta atrasado e ridicularizado”, afirma Flávia Londres ao UOL, secretária executiva da ANA, que enfatiza que até para obter crédito nos bancos o produtor precisa provar que segue o modelo tradicional.
Sobre a Articulação Nacional de Agroecologia (ANA)
A Articulação Nacional de Agroecologia (ANA) é um espaço de articulação e convergência entre movimentos, redes e organizações da sociedade civil brasileira engajadas em experiências concretas de promoção da agroecologia, de fortalecimento da produção familiar e de construção de alternativas sustentáveis de desenvolvimento rural. Atualmente a ANA articula vinte e três redes estaduais e regionais, que reúnem centenas de grupos, associações e organizações não governamentais em todo o país, além de quinze movimentos sociais de abrangência nacional. Acesse www.agroecologia.org.br