Nos últimos anos, pesquisas e reportagens vêm mostrando exaustivamente como o garimpo contamina cursos d’ água e fontes de alimentação, amplia o desmatamento, a disseminação de doenças, o consumo de drogas e álcool, a criminalidade e a violência. Os impactos são mais diretos para os povos indígenas, mas abrangem outras populações e áreas da Amazônia.
Agora, um estudo do ISA comprova que a exploração mineral predatória não promove o desenvolvimento e derruba os indicadores sociais onde ocorre na região. A ideia de que a atividade traz progresso, portanto, é um mito.
O levantamento aponta que o Índice de Progresso Social (IPS) médio dos municípios amazônicos afetados pelo garimpo é de apenas 52,4, menor do que a média para a Amazônia, de 54,5, e bem abaixo da média nacional, de 63,3. O IPS médio dos municípios garimpeiros é 4% menor que a média amazônica e 20% menor que a média nacional.
O IPS amazônico é menor do que o nacional por fatores estruturais históricos e estruturais, como baixo desenvolvimento econômico, ausência de políticas públicas, gargalos de logística e transporte diante de grandes distâncias, entre outros.
O IPS é um indicador internacional que combina três dimensões – “necessidades básicas de sobrevivência”, “fundamentos do bem-estar” e “oportunidades” – por meio de uma série de indicadores sociais e ambientais, provenientes de bases de dados internacionais, além de pesquisas de percepção, com objetivo de identificar o cenário, os desafios e as possibilidades de progresso social dos países (saiba mais no quadro no final da notícia).
Segundo Antonio Oviedo, assessor do ISA e um dos autores do estudo, além da redução do progresso social, o garimpo provoca várias outras mazelas socioambientais, o que gera gastos públicos desnecessários e problemas quase irreversíveis para as comunidades afetadas.
“O avanço da área degradada pelo garimpo, além de ampliar os impactos ambientais e reduzir as condições para o progresso social, gera enormes gastos públicos como, por exemplo, despesas para o sistema de saúde, segurança pública, assistência social e fiscalização ambiental”, enfatiza o pesquisador.
Situação nos estados e municípios
Para se ter uma ideia da situação, os municípios de Roraima com presença de garimpo tem um IPS médio 7% mais baixo que o da Amazônia e 20% menor que o do Brasil. No Pará, os municípios garimpeiros têm um IPS médio 5% menor que o da Amazônia e 18% menor que o nacional.
Entre 2014 e 2021, o IPS dos municípios do Pará e de Roraima com garimpo em Terras Indígenas caiu de 51,81 para 50,90, uma queda de 2%. Já nos municípios sem áreas degradadas pela atividade foi registrado um pequeno aumento de 1%, com o índice subindo de 52,35 para 52,97.
Dados de outras pesquisas reforçam a gravidade do problema. Três municípios da lista dos dez com menores IPS afetados pelo garimpo estão na relação dos 30 municípios mais violentos do país, segundo o Anuário Brasileiro de Violência Pública 2022.
Jacareacanga (PA) está em 2º lugar, com um índice de 199,2 mortes violentas intencionais (MVI) por 100 mil habitantes. Cumaru do Norte (PA) está na 16ª posição, com 113,2 MVIs/100 mil, e Bannach (PA) está na 30ª posição, com 101,8 MVIs/100 mil.
A presença dos três municípios no ranking faz parte de um contexto: a violência letal na Região Norte é 38% superior àquela das demais regiões do país. Ao contrário do resto do Brasil, as mortes violentas estão crescendo na região, conforme a mesma publicação (saiba mais).
Seis milhões de pessoas afetadas
O garimpo afeta pelo menos 216 municípios e uma população estimada de 6 milhões de pessoas na Amazônia Legal, ainda de acordo com o levantamento do ISA. Todos os estados da região têm garimpo, exceto o Acre. Em 2020, o Pará estava em primeiro lugar em termos de área degradada pela atividade, com 86,8 mil hectares, seguido pelo Mato Grosso, com 29,5 mil hectares, Rondônia, com 6,5 mil hectares, e Roraima, com 480 hectares.
Mais de 90% da área de garimpo no território nacional está na Amazônia Legal. A extensão total explorada pela atividade na região saltou de 10,1 mil hectares para 124,2 mil hectares, entre 1985 e 2020, um aumento de 1.127% ou mais de 10 vezes, de acordo com o MapBiomas. O número de árvores abatidas pode chegar a pelo menos 71,4 milhões. Um hectare corresponde mais ou menos a um campo de futebol.
Um total de 10,8 mil hectares degradados pelo garimpo estão em Terras Indígenas, o que representa 8,7% da área degradada pelo garimpo na Amazônia Legal, segundo o MapBiomas. As Terras Indígenas mais afetadas são: Kayapó (PA, 7.988,9 hectares), Mundurucu (PA, 1.765,2 hectares), Yanomami (AM-RR, 550,6 hectares), Sawré Muybu (PA, 213 hectares) e Sararé (MT, 135,7 hectares). A Constituição não permite o garimpo nas Terras Indígenas.
Entre janeiro de 2019 e maio de 2021, o aumento da área degradada pelo garimpo em Jacareacanga (PA) foi de 269%. Mais de 98% da extensão do município é sobreposto à Terra Indígena Mundurucu e, no mesmo período, foram devastados 2,2 mil hectares nessa área protegida (saiba mais).
Entre 2020 e 2021, o garimpo ilegal avançou 46% na Terra Indígena Yanomami (RR-AM). Entre 2019 e 2020, já havia sido registrado um salto de 30%. De 2016 a 2020, o garimpo cresceu nada menos que 3.350% na área. Em dezembro de 2021, mais de 3,2 mil hectares já haviam sido devastados pela atividade no território (saiba mais).
Impactos socioambientais
As florestas nas regiões impactadas pelo garimpo são degradadas e já sofreram uma redução de 23% em sua área entre 1985 e 2020, o que representa uma perda de mais de 141 milhões de árvores adultas, ainda segundo o levantamento do ISA. No mesmo período, foi registrado um aumento de 1.235% nas classes de uso antrópico terra (agricultura, pecuária, urbano, mineração). Vale lembrar que a redução das florestas na Amazônia pode levar a uma redução de 25% das chuvas no Brasil.
Além disso, o garimpo impacta diretamente os rios na Amazônia Legal, comprometendo o fornecimento de água potável para a população local e nacional. Em 36 anos de dados do MapBiomas, é possível identificar um grande avanço da degradação pelo garimpo sobre os recursos hídricos. Em 1985, foram detectados 229 km de rios impactados, e em 2020 esse número saltou para 2,6 mil, um aumento de 1.037%.
No início deste ano, a mudança de cor do rio Tapajós chamou atenção internacional: da cor verde esmeralda, as águas do rio localizado em Alter do Chão, no Pará, transformaram-se em barrentas e opacas. Após laudo da Polícia Federal (PF), concluiu-se que a mudança de cor foi provocada pelo garimpo e pelo desmatamento na região.
O material coletado pelos peritos comprovou que o aumento drástico na quantidade de sedimento nas águas teve origem no Mato Grosso, em rios que desaguam no Tapajós. A estimativa da PF é que os garimpeiros tenham despejado cerca de 7 milhões de toneladas de rejeitos no Tapajós e, ainda, os investigadores alertam para o risco da presença de produtos químicos no rio, como mercúrio e cianeto, geralmente usados por garimpeiros no processo de extração de minérios e altamente tóxicos para saúde humana.
Como é composto o IPS
O IPS é um indicador que combina três dimensões e uma série de indicadores sociais e ambientais, a partir de bases de dados internacionais e pesquisas de percepção.
Para chegar aos resultados do estudo, foi realizado o cruzamento entre os dados do IPS 2021, produzidos pelo Projeto Amazônia 2030, e da ocorrência de garimpo nos municípios da Amazônia Legal, disponíveis pela Rede Amazônica de Informação Socioambiental Georreferenciada (RAISG).
Fonte: Instituto Socioambiental