A COP27 (27ª Conferência das Partes da Convenção do Clima das Nações Unidas) começou no domingo, 6/11, em Sharm El-Sheikh, no Egito, sob o signo de múltiplas crises. Representantes do governo paraense estarão presentes no encontro, que discute o clima até o dia 18 de novembro. Os efeitos devastadores das mudanças climáticas estão recaindo muito fortemente sobre nós.
No ano de 2022, eventos climáticos extremos mais uma vez se sucederam em ritmo acelerado, desde as enchentes em Petrópolis no início do ano às enchentes mortíferas no Paquistão, com 33 milhões de pessoas deslocadas, passando por ondas de calor na Ásia e na Europa e a seca no Chifre da África, ao sul do local da COP, que já deslocou 1,5 milhão de pessoas e traz de volta o espectro da fome à Somália.
Ao mesmo tempo, a recuperação da economia mundial após a pior fase da Covid-19 fez as emissões de gases de efeito estufa subirem a níveis provavelmente nunca vistos – apenas as emissões por uso de energia em 2021, último ano para o qual há dados, chegaram a 52,8 bilhões de toneladas e podem ter batido o recorde histórico de 2019. E aí houve a guerra.
Guerra
A invasão da Ucrânia pela Rússia, em fevereiro, causou um ressurgimento dos combustíveis fósseis, com o aumento da produção de petróleo em vários países e o retorno do carvão mineral em nações europeias como a Alemanha. Cereja do bolo, os EUA, maior emissor histórico do planeta, começarão a COP com eleições para o Congresso, nas quais o Partido Democrata, do presidente Joe Biden, está ameaçado de perder o controle da Câmara para os republicanos, ligados a Donald Trump e ao negacionismo climático.
Nesse contexto climático e geopolítico ocorre a “COP da Implementação”, como ela vem sendo chamada pelos anfitriões egípcios. É a primeira conferência do clima após o fechamento do livro de regras do Acordo de Paris, em 2021. Sharm El-Sheikh, no continente africano, deveria ser o local onde os países enfim se uniriam para dar substância ao acordo firmado na COP26, em Glasgow, para manter viva a meta de limitar o aquecimento global a 1,5º C. Para isso, é preciso reconstruir a confiança entre os países, perdida ao longo de um ano de guerra, no qual a cooperação multilateral declinou.
Principais temas
A COP27 precisa avançar em agendas cruciais deixadas em aberto em Glasgow, como a do financiamento climático, a das perdas e danos e a da aceleração da ambição das metas de corte de emissão dos países. O mundo tem apenas 96 meses para cortar emissões em 43% e dar uma chance ao 1,5º C.
Isso não ocorrerá sem um aumento disruptivo da ambição climática dos países do G20 (que respondem por 75% das emissões do mundo) até 2030: segundo a própria Convenção do Clima, a soma das NDCs (Contribuições Nacionalmente Determinadas), inclusive as 24 novas apresentadas no último ano, no máximo farão o mundo chegar em 2030 com os mesmos níveis de emissão de 2019 – de acordo com o Pnuma, o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, é uma redução de menos de 1% nas emissões projetadas no ano passado.
A concentração de gases de efeito estufa na atmosfera cresceu em 2021 mais rápido do que a média da última década – que viu o maior crescimento nas emissões de toda a história humana. Tudo somado, estamos, na melhor das hipóteses, no rumo de um aquecimento de 2,4º C.
Esses três temas críticos (financiamento, perdas e danos e mitigação) devem dominar as discussões em Sharm El-Sheikh, com potencial de impasse e implosão das conversas.
Financiamento
No tema de finanças, os países ricos terão dificuldade de explicar por que ainda não cumpriram o compromisso de disponibilizar US$ 100 bilhões por ano para os países em desenvolvimento a partir de 2020. Terão também de sinalizar o que estão dispostos a botar na mesa a partir de 2025, quando as metas de financiamento terão de ser revistas. Sem que esse bode saia da sala, os países em desenvolvimento têm pouco estímulo para cooperar no chamado Mitigation Work Programme, um “acelerador de ambição” climática lançado em Glasgow.
Algumas nações emergentes chegam a acusar o programa de ser uma tentativa de renegociação do Acordo de Paris. Por fim, tanto emergentes quanto países pobres usarão a COP africana para pressionar pelo avanço em perdas e danos, uma agenda maldita para os países ricos. Trata-se de maneiras de financiar danos climáticos aos quais já não cabe adaptação, especialmente nos LDCs (países menos desenvolvidos). As nações ricas não gostam do tema: insistem em tratá-lo dentro da agenda de adaptação, mas são assuntos distintos.
De volta ao mapa
Uma das poucas injeções de ânimo na COP27 vem do Brasil. Depois de quatro anos entre os maiores párias climáticos do planeta, o país enfim encerrou o governo Bolsonaro e elegeu Luiz Inácio Lula da Silva, que prometeu fazer do clima peça central de sua política externa e acenou com o desmatamento zero na Amazônia.
Lula deverá ir à COP com duas de suas principais auxiliares, Marina Silva e Simone Tebet, e anunciará em Sharm El-Sheikh o nome do(a) ministro(a) do Meio Ambiente. O reengajamento do quinto maior emissor do mundo na agenda dá impulso político à conferência.
O próprio Brasil, porém, chega ao Egito com seu quinhão de más notícias. Legado do presidente que sai, as emissões de gases de efeito estufa cresceram em 2021 pelo quarto ano seguido e atingiram 2,4 bilhões de toneladas brutas, na maior alta desde 2003 (12%). O desmatamento está fora de controle e quase certamente ficará acima dos 10.000 quilômetros quadrados em 2022.
Haverá também uma profusão de Brasis representados na COP: o governo atual, deslegitimado pela comunidade internacional, com um pavilhão de 300 metros quadrados, um dos maiores da COP; os governadores da Amazônia, na expectativa de captar recursos para seus Estados, com um pavilhão separado do oficial – o regime convidou os Estados para participar do Espaço Brasil, mas não queria que eles falassem de florestas; o governo eleito, com legitimidade, mas ainda sem poder; e a sociedade civil, representada no Brazil Climate Action Hub.
Fonte: Observatório do Clima
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