Não dá para falar de combate a mudanças climáticas, como alterações extremas do clima, seja por meio de seca ou inundações, sem falar das desigualdades sociais.
A 27ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas discutiu na sexta, 11/11, no Egito, o tema “Perdas e Danos, Gênero e Impactos territoriais” sobre o avanço das negociações em relação aos mecanismos de compensação financeira, na implementação de políticas que eliminem as desigualdades sobre as populações e monitorem os efeitos adversos das mudanças climáticas. Estiveram presentes a deputada federal Marina Silva (Rede-SP) e Célia Pinto, coordenadora da Conaq (Coordenação Nacional de Articulação de Quilombos).
Para Célia, os extremos climáticos só podem ser debatidos a partir do combate da desigualdade social.
Não podemos discutir as questões climáticas sem discutir o desenvolvimento econômico e a desigualdade social no nosso país.. Nós estamos exatamente na vulnerabilidade. O nosso povo está saindo do nosso território porque o nosso território não está protegido, vindo para áreas urbanas e vivendo em condições desumanas. Somos nós que estamos nas encostas e nas palafitas. A maioria da população que está nessas periferias saiu do campo. Então nós não somos afetados só no nosso território. Nós também estamos sendo afetados nos grandes centros urbanos porque somos obrigados a fazer essa migração.”
Marajoara, a vice-presidente do Conselho Nacional das Populações Extrativistas, Edel Moraes, disse que as perdas e ganhos começam na linguagem, já que a expressão crise climática parece distante para as comunidades da sua região, a palavra usada é quentura.
“Fizemos uma pesquisa com mulheres do arquipélago do Marajó que são extrativistas e a principal mudança observada ao longo do tempo nas comunidades é o aumento da temperatura. Isso tem impacto em diversos sentidos. Desde a organização familiar, a produção, o plantio, a pesca e os fatores relacionados ao bem-estar social e econômico. Porque elas dependem de todo esse ambiente saudável para produzir, comercializar e ter o seu amparo econômico, que de forma distributiva pelo estado, essa região se encontra abaixo da linha da pobreza.
Portanto, quem garante toda a sustentabilidade é esse território e todos esses seres que convivem nesses espaços. Então, os principais impactados são as mulheres e as crianças. Essas comunidades mais vulnerabilizadas também são as que mais sofrem com o racismo energético porque as energias construídas para gerar economia passam por cima dessas casas, dessas famílias e nem sempre elas têm acesso.”
Esperançosa, Marina Silva celebrou a priorização da agenda climática esperada para os próximos quatro anos no Brasil.
“A gente vai ter um momento de novos ares no Brasil com compromisso com transitar para o desmatamento zero e tolerância zero com qualquer forma de ilegalidade. A agenda climática no mais alto nível de prioridade, como a destinação de 57 milhões de hectares de área com floresta apenas para unidade de conservação e terras indígenas que está naquele documento que apresentei para o presidente Lula. E também a questão da matriz energética de que a contratação de energia para o Sistema Nacional de Energia do Brasil já deverá contemplar as metas de redução de CO2 do setor. Isso é algo inteiramente inovador.
O uso dos recursos do Plano Safra que é da ordem de mais de R$ 300 bilhões como base para transição de uma agricultura de baixo carbono também é algo inteiramente promissor, algo que antes era uma política só do Ministério do Meio Ambiente e eu sempre insisti que a política ambiental é transversal. Quando o presidente Lula disse que a questão climática e a proteção das florestas e dos povos indígenas estariam no mais alto nível de prioridade isso é muito importante porque imaginar que nós vamos enfrentar um problema dessa magnitude apenas com política setorial nunca foi o nosso entendimento da área ambiental. Então, eu posso dizer que estou aqui com muita esperança.”
Toya Manchineri, representante da COIAB (Coordenação das Organizações indígenas da Amazônia Brasileira), e Ricardo Baitelo, coordenador de projetos do IEMA (Instituto de Meio Ambiente e Recursos Hídricos), refletiram sobre a inacessibilidade da energia na Amazônia.
“Se tu ganha R$ 1.200de salário mínimo e gasta R$ 450 só em energia, aí foi 36% do seu salário. E aí como é que tu sobrevive com um salário desse, com uma energia cara, né? Principalmente na Amazônia, que tem muita água e que a energia deveria ser muito barata”. questionou Toya.
“Sobre perdas e danos não tem como mensurar e nem reverter as perdas. A gente tem o costume de monetizar para tentar facilitar a percepção, mas a gente deveria valorizar de outras formas. Falando da questão de energia, como ela é um direito pela universalização, o mínimo que pode ser feito é que todos os isolados remotos tenham acesso digno a energia, não acesso ainda mais caro e mais impactante, isso tem que ser revisto”, finalizou Ricardo.
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