A versatilidade da palmeira de açaí, em razão de suas diferentes características e usos, é um dos principais motivos do seu sucesso entre as populações tradicionais da Amazônia. As folhas cobrem casas de madeiras em substituição às telhas, dos frutos são produzidos os sucos, ou vinho, consumidos com farinha de mandioca no campo e nas cidades do norte do país, no centro do tronco pode ser encontrado o palmito, apreciado em refeições.
Mas além das utilizações comumente encontradas, a palmeira é alvo de pesquisas de tecnologia e inovação que aperfeiçoam suas características e transformam seus usos em diferentes áreas. Você já ouviu falar do “café” de açaí? E você sabia que a fibra de caroços do fruto pode ser usada em próteses para o corpo humano? O Boletim Diálogos Pró-Açaí ouviu pesquisadores e elaborou um compilado com alguns desses produtos derivados da palmeira que provam sua versatilidade e estão movimentando o mercado no Brasil e exterior.
Açaí
O açaí conquistou consumidores de todo o mundo. A exportação do produto, seja em polpa, congelado ou suco, compõe significativa fatia da economia brasileira. Corporações investem no beneficiamento do produto para elaboração de diferentes opções para os consumidores, como energético de açaí, hidratantes e shampoos para os cabelos, hidratantes para a pele, suplementos, vitaminas e pó de açaí, para citar alguns.
A condição de super fruta, atribuída ao açaí, provocou acelerada multiplicação no número de produtos vendidos por empresas que exploram o poderoso manancial de nutrientes e antioxidantes. Além da indústria alimentícia, o setor de cosméticos e bem-estar também investe em novas linhas de produtos à base da fruta.
Segundo publicação editada pelo Sebrae, os supermercados nos EUA estão abarrotados com produtos à base de açaí, como a geleia, sorvete, vodka, cremes para pele e hidratantes labiais.
A empresa Sambazon, por exemplo, abriu portas para que restaurantes em Los Angeles inventassem pratos com receitas de açaí, intencionando criar um “burburinho” sobre a fruta entres os pratos urbanos. Logo em seguida, essa mesma empresa alcançou um grande sucesso difundindo também uma batida de açaí, conhecida por smoothie (nos EUA), cujo conteúdo rico em fibras e antioxidantes ajuda a limpar o corpo.
Ciência e sustentabilidade
O sucesso dos diferentes usos das propriedades do açaí só é possível se houver investimento em ciência e inovação, tanto da iniciativa privada quanto do poder público, conforme afirma o pesquisador Hervé Louis Ghislain Rogez, professor da Universidade Federal do Pará (UFPA).
“Com esses investimentos é possível baratear a inovação para a indústria e, ao mesmo tempo, garantir seu uso efetivo depois de sua entrada no mercado”, destaca.
De acordo com Hervé, para garantir efetividade entre a concepção de novos produtos e sua chegada ao mercado é necessária a formação de HUBs – espaço que agrega vários produtos ou serviços ao mesmo tempo -, ou parques industriais, onde se tem grande proximidade geográfica entre a empresa que valoriza a polpa e aquelas que trabalham com os resíduos.
O Pará se destaque na produção científica e tecnológica para novos usos da palmeira do açaí, seja nos trabalhos sobre bioeconomia de produtos naturais da Amazônia, coordenados pelo professor Hervé na UFPA, como nos programas focados na residência agrícola na cadeia do açaí, na conversão dos resíduos de açaí em bioprodutos e bioenergia, no manejo sustentável e no reconhecimento de solos, desenvolvidos pela Universidade Federal Rural da Amazônia (UFRA), ou no Polo de Inovação do Instituto Federal do Pará Campus Castanhal.
Segundo Luã Caldas de Oliveira, engenheiro de alimentos e professor do IFPA, nos 18 campi da instituição há esforços voltados para o açaí, seja na realização de cursos de Formação Inicial e Continuada (FIC), como cursos técnicos, graduação e pós-graduação.
“Estamos constantemente refletindo sobre a biodiversidade da amazônia não só nos cursos técnicos em agroindústria, na engenharia de alimentos, por exemplo, muitos trabalhos envolvem o açaí, seus subprodutos, e toda a cadeia de valor. A inovação, ocorre através dos projetos de pesquisa, extensão, ensino e nas próprias disciplinas, como na de Desenvolvimento de Novos Produtos”, afirma.
Luã ressalta que um dos projetos desenvolvidos na instituição é o “Café de Açaí”, um pó elaborado a partir do caroço de açaí tratado.
“É importante destacar que o cenário da inovação ocorre principalmente pela ligação entre o IFPA e os setores produtivos, como agricultura familiar, assentamentos e comunidade quilombolas, diálogo com movimentos sociais e do campo, como o MST, indústria e os microempresários que nos procuram”, diz.
O professor destaca o projeto “Rota do Açaí”, coordenado pelos professores Adebaro Reis e Tatiana Pará, como iniciativa de fomento à inovação do setor.
“Ele foi um dos macroprojetos em que se trabalharam várias linhas de pesquisas nos mais diversos âmbitos: como produção de mudas, estudo do solo, desenvolvimento de produtos e subprodutos, oferta de capacitação, como o FIC de açaícultor”, lembra.
A Rota do Açaí é um conjunto de Projetos de Desenvolvimento Sustentável Local Integrado para a estruturação e fortalecimento da Cadeia Produtiva do Açaí dos polos Nordeste Paraense, Baixo Tocantins e Marajó. Tem como objetivo melhorar a qualidade e a quantidade de açaí produzido por produtores e empreendedores paraenses situados em 24 municípios.
Produtos oriundos do caroço
Na Região Metropolitana de Belém (RMB), estima-se que mais de 500 mil litros de açaí são consumidos por dia. Após a polpa da fruta nativa da floresta amazônica ser extraída, o caroço do fruto quase sempre é descartado e, em alguns locais, o descarte do resíduo se torna um problema ambiental. Essas sementes, que já eram reaproveitadas com a fabricação artesanal, vêm ganhando cada vez mais novas finalidades.
Fabricação de próteses
Estudo realizado, em 2012, por pesquisadores da Universidade Federal do Pará (UFPA) e da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), em São Paulo, descobriram que a fibra do caroço do açaí pode ser usada na fabricação de próteses para o corpo humano. Segundo o estudo, um dos principais benefícios de uma prótese de base natural, como é o caso da prótese de açaí, é a redução do número de cirurgias que os pacientes teriam que passar.
Produção de carvão vegetal
Em 2017, pesquisadores da Universidade do Estado do Pará (Uepa) descobriram que o caroço de açaí tem potencial para se transformar em carvão vegetal, uma fonte de energia aliada à preservação do meio ambiente. Os estudos da época revelaram que a semente chegou a obter uma qualidade semelhante à do carvão vegetal de eucalipto, habitualmente utilizado. O produto pode ser usado para uso doméstico e industrial.
Criação de assentos de bancos
No mesmo ano, um estudo da Uepa também mostrou que o descarte das sementes do açaí pode dar lugar à criação de móveis. O trabalho gerou a produção de assentos para bancos resistentes com maior resistência, segundo os pesquisadores. A produção começa com a coleta, lavagem e secagem ao sol das sementes, por um período de 25 a 30 dias. Em seguida, precisam ser trituradas, peneiradas, adicionadas à cola branca e, posteriormente, vão ao forno e à prensagem para, enfim, dar origem a uma chapa de conglomerado.
Concreto permeável para construção civil
Um projeto realizado por pesquisadores da Universidade da Amazônia (Unama), em 2019, utilizou o caroço do açaí para a produção de concreto permeável para construção civil. O material já existe no mercado, entretanto o estudo substituiu o seixo pela semente da fruta. A pesquisa propôs a utilização do material in natura, sem custo de beneficiamento. A semente do fruto, adicionada ao concreto, torna a impermeabilidade mais eficaz, tornando menores as possibilidades de alagamentos.
A Amazônia, por meio de diferentes iniciativas, tem sido celeiro de inovação para o Brasil. Com a união da sustentabilidade ambiental e a criatividade é possível tornar esses produtos cases de sucesso. Com investimento em ciência, tecnologia e inovação, com foco no aproveitamento de produtos da sociobiodiversidade, como o açaí, certamente ainda teremos a geração de inúmeros outros benefícios para a população brasileira.