Por Jean Boubli, para Sumaúma
Já que estamos na semana da COP da Biodiversidade da ONU, o Pará Terra Boa vai trazer conteúdos produzidos por publicações respeitadas sobre o assunto. O evento ocorre até o dia 19 de dezembro, em Montreal, no Canadá. A seguir, o site Sumaúma apresenta a terceira parte da série ‘Natureza no Planalto’, em que pesquisadores escrevem textos, com função de alerta, ao presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva:
Meu nome é Jean Boubli, sou primatólogo e professor da Universidade de Salford, no Reino Unido. Represento aqui uma espécie de macaco que descobri recentemente na área do bioma amazônico do Mato Grosso. Ele foi batizado de zogue-zogue de Alta Floresta. Esse pequeno primata, de cerca de 2 quilos, rabo preto, costas castanhas e barriguinha bem vermelha, mal foi descoberto e já corre o risco de ser extinto. O ambiente onde ele vive está bastante fragmentado pelo desmatamento. Presidente eleito Lula, reivindico em nome dele que a destruição da floresta seja contida imediatamente. E que sejam criadas mais áreas de conservação em regiões pressionadas pelo agronegócio, como a que ele vive.
Alta Floresta é um município no norte do Mato Grosso, bem na fronteira com o Pará. Quando olhamos essa área nos mapas de satélite do Google, a cidade parece um tabuleiro de xadrez: tem os quadradinhos de mata e os quadradinhos de pasto bem certinhos. E esse macaquinho estava ali.
Ele foi achado durante uma expedição do meu colega Rogério Rossi, da Universidade Federal do Mato Grosso, que fazia um inventário das espécies da região. Como não é primatólogo, ele me mostrou esse novo primata que coletou. De cara, vi que era um zogue-zogue diferente dos que a gente conhecia. A espécie irmã dele é o zogue-zogue do Pará, mas nossas análises genéticas mostraram que se separaram há mais de 1 milhão de anos. Ele vive em uma área de endemismo – como chamamos as regiões que possuem espécies que só existem naquele local – entre dois rios, o Teles Pires e o Juruena, que são as nascentes do Tapajós. O fato de ele habitar uma área de endemismo era mais uma evidência de que estávamos diante de uma espécie única.
Ainda não sabemos quantos desses macacos existem. Estou indo para o Mato Grosso agora para fazer a primeira expedição de reconhecimento da área e propor como vai ser o regime de monitoramento. Vamos tentar descobrir quantos zogue-zogues existem, mapear os fragmentos de floresta que ainda resistem ali e passar a acompanhar essa população.
Mas o que a gente já sabe é que 42% dessa área já foi destruída, convertida em pasto. E uma das maneiras de atestar o estado de conservação de uma espécie é justamente a análise de seu habitat. Porque, se a casa some, obviamente a população que estava ali some junto.
A União Internacional para a Conservação da Natureza e dos Recursos Naturais (IUCN, na sigla em inglês), que criou o maior catálogo de conservação das espécies do mundo, a Lista Vermelha de Espécies Ameaçadas, tem um critério que ajuda a prever o futuro de cada uma. É preciso estimar como vai estar o habitat em 3 gerações. No caso do zogue-zogue, calculamos que será em 2042. Fizemos, então, uma projeção, com base na taxa de desmatamento atual, de que 86% do habitat dele será perdido nesses 20 anos se nada for mudado. Terá sumido quase tudo. Isso significa que ele está criticamente ameaçado de extinção.
O Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) ainda não aceitou que o zogue-zogue de Alta Floresta esteja criticamente ameaçado. Mas o que sofremos nos 4 anos do governo Bolsonaro mostra que o risco é real. E estamos falando de uma única espécie. Imagine todas as outras que existem nessa mesma área de endemismo, espécies que vão desaparecer antes até que a gente as conheça.
Temos esperança, presidente eleito Lula, de que o senhor reconheça o risco iminente e faça alguma coisa para impedir a morte de uma espécie inteira. Antes de tudo, o zogue-zogue precisa parar de perder seu habitat, porque já não resta quase nada. Depois, é necessário criar um programa para conectar melhor os fragmentos de floresta que ainda existem, porque eles não conseguem viver em ilhas de mata isoladas. E também fazer novas áreas de conservação, como parques nacionais e reservas ecológicas, que sejam voltadas à proteção da espécie.
Essa área do Mato Grosso é muito esquecida em termos ambientais. As áreas protegidas criadas pelos governos do PT estão mais concentradas em outras regiões. Nessa área do Mato Grosso, dominada pelo agronegócio, houve muitas falhas na proteção da floresta e de seus povos, humanes e não humanes. Quanto mais áreas de conservação houver, melhor, mas é preciso coragem para criá-las também onde há interesses econômicos poderosos, como nessa região de pecuária situada no arco do desmatamento.
Fonte: Sumaúma