Por Noemia Ishikawa, para Sumaúma
Já que estamos na semana da COP da Biodiversidade da ONU, o Pará Terra Boa vai trazer conteúdos produzidos por publicações respeitadas sobre o assunto. O evento ocorre até o dia 19 de dezembro, em Montreal, no Canadá. A seguir, o site Sumaúma apresenta a terceira parte da série ‘Natureza no Planalto’, em que pesquisadores escrevem textos, com função de alerta, ao presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva:
Meu nome é Noemia Ishikawa, sou micóloga do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) e empresto minha voz para as espécies de fungos da Amazônia ainda desconhecidas. Estima-se que a ciência conheça, neste momento, apenas 10% dos tipos de fungo existentes no planeta. E acredita-se que grande parte dos 90% ainda não catalogados estejam na Amazônia. Em nome deles, peço ao presidente Lula que acabe com a destruição da floresta, que pode estar dizimando seres que a gente ainda nem sabe que existem. E que invista em ciência para que a gente consiga avançar no descobrimento dessas espécies.
Importância vital
Os fungos evoluíram por mais de 1 bilhão de anos, são organismos de extrema importância, produzem centenas de milhares de compostos que podem ser a solução para muitas doenças. Só um único composto, a penicilina, aumentou a sobrevida da humanidade em 23 anos. Eles são essenciais para a floresta, fazem a ciclagem dos nutrientes, são alimento para muitos insetos, artrópodes, humanos e outros organismos.
Dentro de cada árvore existem fungos fazendo um trabalho de defesa, mantendo as plantas saudáveis. Eles também são essenciais para a nutrição e a comunicação delas no solo amazônico, que é pobre em nutrientes. Sem o trabalho silencioso e discreto dos fungos, não teríamos a exuberante floresta. Eles têm diversas cores, tamanhos, formas e estratégias de reprodução. Presidente eleito Lula, os fungos são obras de arte da natureza.
Quando vemos as imagens de queimadas na Amazônia, sempre lamentamos pelas árvores e pelos animais que morrem, mas ninguém se comove com uma espécie de cogumelo que pode desaparecer. Em uma única queimada na floresta, a gente perde uma quantidade incalculável deles.
Os estudos estimam que existam hoje 3,8 milhões de espécies de fungos no mundo. E a gente conhece uma parte muito pequena disso. Aqui na Amazônia é onde a gente tem a maior probabilidade de encontrar essas novas espécies. Em pequenos trechos da floresta, vemos dezenas de espécies de fungos.
Apenas nos últimos 10 anos nossa equipe publicou 30 espécies novas, e no momento pesquisa 20 outras. Mas isso é muito pouco perante os milhões que podemos descobrir. Ao destruirmos a floresta, estamos perdendo aquilo que nem sabemos que existe. É um crime incomensurável o de extinguir vidas que evoluíram por milhares de anos antes mesmo de as conhecermos.
Além de acabar com a destruição da mata, é preciso que o novo governo coloque mais pesquisadores na Amazônia para que estudem e conheçam melhor a biodiversidade que existe. Precisamos de mais contratações de micólogos, geneticistas, ecólogos e tantos outros profissionais já formados do país e que estão indo embora por não conseguir emprego no Brasil.
Também necessitamos de mais investimento na pós-graduação para formar mais mestres e doutores em fungos. Precisamos de mais verba para projetos de expedições – e mais dinheiro para pesquisa e manutenção das coleções de nossos institutos. Hoje, na parte tecnológica, estamos muito dependentes do exterior para, por exemplo, fazer sequenciamento molecular e genômico. Presidente eleito Lula, peço em nome dos fungos desconhecidos e também dos conhecidos que seu governo tenha como meta garantir aos cientistas brasileiros a autonomia de fazer as pesquisas da Amazônia na Amazônia.
Fonte: Sumaúma