Cerca de 400 quilômetros distante de onde foi constatado o caso de ‘vaca louca’ (nome popular para a Encefalopatia Espongiforme Bovina), um rebanho de 10 mil cabeças de gado, criado clandestinamente dentro da terra indígena Ituna Itatá, pode significar um risco ainda maior para a cadeia da pecuária local. A terra fica situada na divisa dos municípios de Altamira e Senador José Porfírio e não se sabe se há controle sanitário desses animais, segundo informações da Repórter Brasil.
Os bois foram avistados pelo Ibama em sucessivas incursões na área entre março e abril de 2022.
“O gado presente no interior da TI Ituna Itatá é comercializado sem a emissão de Guia de Trânsito de Animais (GTAs), documento que garante que os animais foram vacinados. Essa estratégia fura o bloqueio sanitário e está em desacordo com as regras de Defesa Sanitária Animal no Estado do Pará”, conclui um relatório do órgão ambiental a que a Repórter Brasil teve acesso.
As GTAs rastreiam a origem e o destino dos animais. Possibilitam, dessa forma, a identificação do foco inicial de doenças como a febre aftosa e a vaca louca, que podem se tornar surtos graves, em alguns casos com consequências também para a saúde dos consumidores, caso não sejam controladas rapidamente.
Ainda em abril do ano passado, as deputadas federais do PSOL Fernanda Melchionna (RS), e Vivi Reis (PA, não reeleita) alertaram a Agência de Defesa Agropecuária do Pará (Adepará) que os animais representavam risco sanitário grave.
“Não há segurança sobre as condições de saúde em que este rebanho está sendo criado e sobre quais doenças podem se disseminar em tais condições”, escreveram as parlamentares em uma carta ao órgão.
A reportagem solicitou esclarecimentos à Adepará, mas não recebeu retorno sobre as questões. O Mapa não comentou sobre os bois sem controle sanitário em Ituna Itatá, mas detalhou a estratégia de prevenção ao mal da vaca louca adotada pelo Brasil.
Em dezembro de 2022, uma mega-operação para expulsar os invasores da terra indígena estimou que metade do plantel original, 5 mil cabeças de gado, já tivesse sido retirada da área pelos fazendeiros – evidenciando o risco de que animais sem vacina estejam circulando pela região.
“O Ibama não fez nenhuma retirada de gado ilegal de dentro de Ituna Itatá – é algo que estamos programando para o ano de 2023. Alguns proprietários realmente retiraram o gado de lá, outros podem ter sido comercializados com frigoríficos”, alertou, na época, Tatiane Leite, coordenadora geral de fiscalização do Ibama.
Gado pirata no caminho de JBS e Mercúrio
A investigação do Ibama encontrou também casos em que as GTAs que acompanhavam os lotes de bois eram frias, e indicavam como origem fazendas que ficavam fora da terra indígena e que não possuíam embargo – segundo a autarquia ambiental, uma “fraude documental” que permitia “acobertar o transporte dos animais de dentro da TI até os frigoríficos”.
Agora, um levantamento exclusivo da Repórter Brasil mostra que inclusive nos registros oficiais há caminhos que ligam os animais clandestinos de Ituna Itatá até plantas de grandes frigoríficos. Segundo ele, pelo menos dois lotes de bois que saíram da TI Ituna Itatá podem ter ido parar em abatedouros da JBS e Mercúrio, com registro formalizado nos sistemas públicos.
Nos dois casos, o caminho inclui uma parada estratégica em fazendas em Vitória do Xingu e outra em Marabá, local onde o caso de vaca louca foi identificado. Ambas remessas partiram da Fazenda Nossa Senhora Aparecida, embargada pelo Ibama por estar situada dentro de Ituna Itatá, onde é proibida a criação de animais para fins comerciais.
Ao todo, a Repórter Brasil identificou 20 proprietários com fazendas autuadas ou embargadas dentro da Ituna Itatá em 2022 – destes, 11 foram apontados pelo Ibama como donos do gado avistado nas operações de março e abril do ano passado. Em vários desses casos, esses fazendeiros emitiram GTAs e têm conexões com frigoríficos de diversos portes. A própria Fazenda Nossa Senhora, por exemplo, também é fornecedora indireta do Frigorífico Amazônia Empreendimentos, em Macapá (AP). Procurado por telefone e email, o frigorífico não se manifestou.