O Ministério Público Federal (MPF) recomendou ao Ministério da Saúde que seja declarada emergência em saúde pública para o povo indígena Munduruku, que vive no entorno da bacia do rio Tapajós. A recomendação é de que a Secretaria de Vigilância em Saúde instaure procedimento administrativo e que a ministra da pasta declare a condição. O motivo é a contaminação por mercúrio na bacia do rio.
No inquérito, o MPF apresenta dois estudos realizados para aferir os índices de contaminação por mercúrio incidentes no povo Munduruku. No primeiro, de autoria, entre outros, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e do Imperial College London, verificou-se que a análise dos níveis de mercúrio para os 197 participantes que cederam amostras de cabelo revela contaminação de 57,9%.
Além disso, com relação às crianças e adolescentes, o estudo demonstra que sete em cada dez indivíduos de 10 a 19 anos, apresentavam índices de mercúrio acima do limite que se possa considerar seguro. A cada dez crianças menores de cinco anos, quatro apresentavam elevadas concentrações da substância nas amostras de cabelo analisadas. Na aldeia Sawré Aboy, oito em cada dez crianças menores de 12 anos também apresentavam altas concentrações do metal.
“O estudo relata ainda que, quanto aos peixes examinados, os achados não deixam dúvidas de que os indígenas residentes nas aldeias investigadas ingerem pescado contaminado por mercúrio em concentrações muito acima dos limites reconhecidos internacionalmente como seguros. Portanto, encontram-se sob risco permanente de adoecer, devido aos efeitos tóxicos do mercúrio no organismo”, diz nota do MPF, com base na recomendação, de autoria do procurador da República Gabriel Dalla Favera de Oliveira.
O procurador destacou que a Convenção de Minamata sobre Mercúrio, firmada pelo Brasil em 2013, reconhece as vulnerabilidades particulares dos ecossistemas árticos e das comunidades indígenas, devido à biomagnificação do mercúrio e contaminação de alimentos tradicionais, bem como das preocupações com as comunidades indígenas de forma mais ampla, no que diz respeito aos efeitos do mercúrio. O MPF estabeleceu o prazo de 30 dias úteis para que a Secretaria de Vigilância em Saúde responda sobre o acatamento da recomendação.
“A persistência da deliberada omissão do Estado brasileiro em reconhecer e envidar esforços no sentido de prevenir a contaminação e tratar a população contaminada por mercúrio há de refletir, observando-se o alto grau de contaminação do povo indígena Munduruku, não apenas a vulneração dos direitos fundamentais à vida, à saúde e à felicidade, mas igualmente perspectiva etnocida, eis que redundará em relegar o povo Munduruku – e as demais populações afetadas – à própria sorte e assim lhe imputar o ônus de abandonar suas práticas tradicionais – inclusive alimentares – com vistas a garantir a sua subsistência”, pontuou o procurador.
Medidas emergenciais recomendadas pelo MPF:
- desenvolvimento de plano de descontinuidade do uso de mercúrio na mineração artesanal de ouro na região;
- elaboração de Plano de Manejo de Risco para as populações cronicamente expostas ao mercúrio;
- monitoramento sistemático dos níveis de mercúrio na população Munduruku;
- monitoramento clínico sistemático de possíveis alterações neurológicas decorrentes dos altos níveis de mercúrio no organismo;
- criação de programa específico de saúde, que tenha como objetivo reduzir o risco da exposição das mulheres em idade fértil a altos índices de mercúrio no organismo;
- criação de programa de orientação dietética para minimizar exposição ao mercúrio;
- criação de espaço de diálogo entre a população Munduruku e as instituições de saúde, para juntos compreender e intervir na proteção da saúde no contexto da problemática do mercúrio;
- emprego da Força Nacional do Sistema Único de Saúde, com o fim de realizar a testagem compreensiva da população exposta à contaminação por mercúrio e, assim, possibilitar a realização de diagnóstico minimamente concreto da gravidade da exposição.
Fonte: Ministério Público Federal no Pará