O acesso à água potável é um desafio para mais de 30 milhões de pessoas no Brasil, segundo dados do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (Snis), de 2020. Essa era a realidade de 10 mil famílias de ribeirinhos, que começou a mudar graças a invenção de um engenheiro químico que utiliza o caroço do açaí no processo de limpeza e tratamento de água.
A boa notícia é que a iniciativa de Márcio de Freitas Velasco resolve outro problema, além do abastecimento de água tratada para a população carente: ela acaba com o impacto ambiental do descarte inadequado do caroço da fruta, umas mais consumidas pelos paraenses e tem movimento e tem movimentado a bioeconomia do nosso Estado devido a sua enorme potencialidade.
Idealizador do projeto Micro Estações de Tratamento de Água (Meta), Velasco atua na elaboração e análise de projetos de engenharia na área de tratamento de água da Superintendência Regional do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), em Belém.
Desde 2008, ele acompanha a rotina da população ribeirinha, moradores dos territórios do Marajó, Baixo Tocantins e Ilhas de Belém. Segundo ele, durante as atividades em campo, algo o incomodava: “Como ribeirinhos conseguiriam manusear produtos químicos usados em tratamento de água de maneira segura?”, se perguntava.
A partir dessa dúvida, Márcio resolveu estudar uma forma de desenvolver um produto natural. Depois de 18 meses de pesquisas, ele chegou a um floculante vegetal catiônico – essa substância de nome esquisito, mas que é responsável por aglomerar partículas em suspensão para facilitar sua retirada – que utiliza taninos extraídos dos caroços de açaí.
Aplicado na fase inicial do tratamento de água superficial, ele remove todo material em suspensão da água bruta, deixando-a pronta para filtração e desinfecção. Um produto biodegradável e extremamente eficiente, além de dar um fim sustentável a um resíduo sólido muitas vezes descartado de maneira imprópria.
Os experimentos foram realizados no mestrado do engenheiro através da parceria entre o Programa de Pós-Graduação em Biotecnologia da Universidade Federal do Pará (UFPA) e o Laboratório de Bio-soluções e Bioplásticos da Amazônia (LABA).
Márcio explica que de 2009 a 2016, atuando pelo INCRA deu suporte a mais de 10 mil famílias ribeirinhas espalhadas nos municípios de Breves, Cametá, Curralinho, São Sebastião da Boa Vista, Mocajuba, Melgaço, Gurupá, Barcarena e Bujaru.
“Por meio de novos convênios firmados em 2021 e 2022, já iniciamos o atendimento de mais 1.400 famílias nos municípios de Bagre, Portel, Breves, Ponta de Pedras e Limoeiro do Ajuru”, relata o pesquisador.
As Micro Estações de Tratamento de Água (Meta), diz Velasco, fazem parte das ações governamentais sob a responsabilidade do Incra, na modalidade de Implantação de Infraestrutura Básica em Projetos de Assentamento. “Dessa forma, todo ribeirinho cadastrado como cliente da Reforma Agrária tem direito a acessar essa tecnologia”, orienta Márcio.
Para expandir o projeto, Márcio, por meio do Incra, busca parcerias público-privadas.
“O floculante vegetal catiônico à base de caroços de açaí permanece sendo testado em Metas já instaladas no Marajó e Baixo Tocantins. Buscamos parcerias com o setor privado, com objetivo de desenvolver o produto em escala comercial, garantindo acesso a uma tecnologia eficiente e de baixo custo de produção”.