O imaginário amazônico é repleto de seres místicos e poderosos que guardam uma forte relação com a proteção da natureza. Uma dessas figuras emblemáticas é a cobra grande, também chamada de cobra norato ou boiúna, que habita os rios da região. Uma representação desta personagem agora faz parte do cenário às margens do rio Apeú, no município de Castanhal, no nordeste paraense, graças a um grupo de jovens integrantes do Coletivo Miri.
A ação faz parte de uma mobilização nacional denominada Manifesto dos Rios, que envolve movimentos de 17 cidades em alusão ao Dia Mundial dos Rios, que é comemorado anualmente no último domingo de setembro. Na Amazônia, grupos do Acre, Amapá, Amazonas e Maranhão também participam da programação de luta.
“Queríamos utilizar essa simbologia da cobra como a guardiã dos rios e igarapés. É um manifesto visual sobre a necessidade de preservação desses recursos que estão sendo maltratados nesse processo de urbanização das cidades amazônicas”, afirma o cofundador do coletivo, Pedro Alace, de 23 anos.
Os rios estão morrendo
A preocupação dos jovens ativistas tem razão de ser. Estudo do WWF sobre 12 milhões de quilômetros de
246 grandes rios do mundo mostrou que pouco mais de um terço (37%) deles pode ser considerado um
“rio de curso livre”, que é a condição para que um curso d’água mais ofereça benefícios ambientais e
serviços ecossistêmicos.
Vítimas de assoreamento decorrente do desmatamento, mineração e garimpo, bem como pela construção de reservatórios e hidrelétricas, canalização, além do despejo de esgoto sem tratamento, os rios são também vítimas do aquecimento global.
Um novo estudo da Penn State University em 800 dos rios dos Estados Unidos e da Europa mostrou que em 87% deles a temperatura média da água se elevou e em 70% houve e a perda de oxigênio.
A arte como ferramenta de protesto
Criada em 2016, o Coletivo Miri tem o objetivo de promover o ativismo socioambiental, tendo a arte como uma de suas principais ferramentas para a sensibilização. A primeira iniciativa nesse sentido foi a organização de um grupo de boi bumbá na agrovila de Itaqui que recebeu o nome de Miri, em referência a um igarapé da comunidade que estava passando por um processo de degradação.
“Queríamos algo que remetesse à cultura e à identidade da nossa comunidade. A partir disso, as temáticas ambientais foram se incluindo junto com as temáticas da arte. Com o tempo, fomos amadurecendo as ideias e isso resultou na organização coletiva em prol da comunidade”, conta.
Para ele, o envolvimento do Coletivo Miri com questões relacionadas à preservação dos rios e à educação ambiental foi um caminho natural, visto que todos os integrantes convivem com os problemas hídricos da região.
“Os principais problemas são o despejo de lixo, a degradação, o assoreamento e a especulação imobiliária na área, que tem trazido muitas construções irregulares. Isso prejudica principalmente a pesca e o lazer da comunidade”, denuncia Pedro.
Nesse contexto, o coletivo considera que os moradores têm sido prejudicados em virtude da ocupação e uso predatório de um recurso comum.
“Esse rio faz parte da memória biocultural da comunidade está se perdendo porque ele não se encontra mais de forma coletiva. Ele está sendo privatizado. Na nascente, tem fazendas do agronegócio e a parte que passa por dentro da comunidade está sendo ocupada por chácaras de pessoas externas que apenas utilizam nos finais de semana”, acrescenta.
O Coletivo Miri promove ainda outras ações de educação ambiental e eventos artísticos no município, como é o caso do Festival Ecoar – Amazônia em Movimento, que ocorre no próximo dia 28 de setembro, no Sesc Castanhal. Para mais informações sobre os projetos, clique aqui.
Por Fabrício Queiroz