A utilização de conhecimentos tradicionais e informações sobre a biodiversidade é base de muitos estudos e pesquisas científicas, mas também para a elaboração de diversos produtos nas indústrias farmacêutica, cosmética, alimentícia, agrícola, química e outras. O acesso a esses recursos é regulado e deveria promover a geração de renda e preservação desses saberes, no entanto um levantamento do Instituto Escolhas revela que nao é isso que tem acontecido. O lucro de produtos que utilizam elementos da biodiversidade da Amazônia não chega aos povos e comunidades tradicionais.
Para constatar essa realidade, o Instituto Escolhas consultou os registros do Sistema Nacional de Gestão do Patrimônio Genético e do Conhecimento Tradicional Associado (SisGen), que é a plataforma criada para gerir e monitorar o acesso aos dados. O levantamento levou em conta o período desde o lançamento da ferramenta, em 2017, até 2022.
No período analisado, foram identificados 150.538 cadastros de acesso a patrimônio genético e conhecimento tradicional associado (CTA). Porém, desse total, apenas 13% – equivalente a 19.452 – declararam ter acessado CTA, contudo sem identificação do povo ou comunidade detentora desse saber em 85% dos casos.
A falta da associação desobriga a obtenção de autorização dos povos e comunidades tradicionais para uso do conhecimento, além de dificultar o acordo sobre contrapartidas monetárias e não-monetárias em benefício dessas populações.
Apropriação indevida
Outro problema identificado foi a existência de 19.354 cadastros de produtos acabados desenvolvidos a partir do acesso a patrimônio genético e CTA. Entretanto, segundo as informações prestadas, 91% deles são de produtos desenvolvidos apenas com patrimônio genético. Entre os 1.715 que declararam acesso a CTA, somente 52% tem a origem do conhecimento identificável.
De acordo com a pesquisa, isso facilita a apropriação indevida desses conhecimentos, como já ocorre com as informações sobre a secreção da rã amazônica kambô (Phyllomedusa bicolor), que foi patenteada nos Estados Unidos, Canadá, Japão, França e Rússia.
“Discutir e aprimorar o monitoramento do acesso ao conhecimento tradicional associado ao patrimônio genético por pesquisadores e empresas é fundamental para fortalecer a bioeconomia e garantir direitos dos povos e comunidades tradicionais detentores desses conhecimentos”, afirma Jaqueline Ferreira, gerente de portfólio do Instituto Escolhas e coordenadora do estudo.
Banco de dados
Para enfrentar o problema da baixa taxa de identificação dos detentores de CTA, o Instituto Escolhas propõe a criação de um banco de dados eletrônica para fazer a verificação sistemática dos registros nos registros. A ideia foi apresentada ao Ministério do Meio Ambiente, que é responsável pela gestão do SisGen.
“A criação e implementação de um banco de dados é uma estratégia, já prevista na Lei, para superar esse gargalo e efetivar o direito dos povos e comunidades tradicionais à repartição de benefícios”, reforça Jaqueline Ferreira.