Cerca de 75% das propriedades rurais brasileiras são dedicadas à agricultura familiar. Apesar da grande representatividade, o setor fica com a menor fatia dos recursos do crédito rural brasileiro, que ainda é direcionado em grade parte à agricultura empresarial. A desigualdade prevalece ainda quando se compara o acesso e o volume de crédito distribuído entre as regiões, deixando os produtores do Norte com menos aporte para custeio e investimentos
Pra se ter uma ideia, o Norte do País recebe 17 vezes menos verba que o Sul. Assim como agricultores sulistas tem três vezes mais acesso a crédito rural que os nortistas.
Essas são as principais conclusões da análise do Climate Policy Initiative, coordenado por pesquisadores da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio). O estudo avaliou os dados dos contratos do Programa de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) e mostrou que a iniciativa ainda tem desafios para alcançar os produtores de menor porte e dar conta da diversidade produtiva e regional do campo.
Em média, 15% dos produtores rurais tem acesso a alguma política de crédito no País, porém quando esse cenário é observado com atenção nota-se que a maioria dos beneficiados são os proprietários de áreas que possuem entre 10 e 50 hectares. Dentro desse grupo, 20% afirmaram ter algum tipo de crédito. Por outro lado, entre os agricultores com áreas entre 0 e 1 hectare, apenas 8% receberam algum investimento.
Acesso a crédito
O contraste da situação se acentua quando se compara a realidade das diferentes regiões brasileiras. No Sul, por exemplo, 29,8% dos produtores da agricultura empresarial e 28,6% da agricultura familiar tem acesso a crédito rural. Na outra ponta, somente 9% dos agricultores familiares e 11% dos agricultores empresariais do Norte afirmaram que contam com o recurso.
Além disso, os pesquisadores perceberam que o crédito acaba atendendo principalmente quem tem propriedades maiores. Na região Norte, são aproximadamente de 60 mil estabelecimentos com área de 100 a 500 hectares. O quantitativo é semelhante ao de imóveis com área de 0 a 1 hectares, no entanto, entre esses, apenas 3% teve acesso ao crédito rural, enquanto que no outro grupo a proporção dos beneficiados é de 14%.
Diferença de valor é gritante
Outra evidencia da desigualdade aparece quando se considera o valor médio dos contratos do Pronaf na relação com o hectare. Os cientistas identificaram que os contratos direcionam cerca de R$ 1.451 por hectare no Sul. Já na região Norte, o valor é de somente R$ 83, o que equivale a 18 vezes menos.
Com isso, os recursos do Pronaf acabam tendo a soja como principal produto apoiado devido à importância desse cultivo para as regiões Sul e Centro-Oeste. Em contrapartida, a maior diversidade de culturas agrícolas é encontrada no Norte e Nordeste, onde cacau, mandioca, açaí, banana e outros são mais representativos.
“O crédito rural para a agricultura familiar, que conta com subsídios governamentais, concentra-se na Região Sul, em estabelecimentos de maior porte e em produtores de grãos”, diz um trecho do relatório.
Revisão de requisitos
A razão para a distribuição desigual do crédito rural seria o aporte maior dado por recursos livres, que são destinados majoritariamente à agricultura empresarial. O volume de recursos do Pronaf também cresceu e alcançou R$ 8,5 bilhões para a safra 2023/2024, no entanto, estudiosos acreditam que é necessário rever os requisitos para atender mais produtores de menor porte.
Para os pesquisadores da PUC-Rio, a revisão dos critérios de acesso a crédito rural pode repercutir no melhor uso da terra, no incentivo a práticas de agricultura intensiva e no combate ao desmatamento.
“Diante dos desafios atuais de redução do desmatamento e da crise climática, a política pública deve prover incentivos para a transição para uma agropecuária de baixo carbono. Portanto, a adoção de critérios de sustentabilidade para a obtenção de financiamento, assim como restrições para produtores com embargos e que desmatam, devem ser incorporadas às regras do crédito”, sugere a pesquisa.