Atividades econômicas baseadas na biodiversidade e na floresta em pé são apontadas como oportunidades para o desenvolvimento da Amazônia, porém a atração de investimentos e empreendedores para essas soluções ainda é um desafio. Isso se deve principalmente devido aos riscos relacionados aos crimes ambientais, à grilagem, ao tráfico de drogas e outros que rondam a região promovendo o que a cientista política e presidente do Instituto Igarapé, Ilona Szabó, chama de “narcodesmatamento”.
Em entrevista ao Valor Econômico, Ilona analisou o contexto atual da Amazônia abordando a ocorrência dos ilícitos e o seu combate, mas também a importância do fomento a alternativas como a bioeconomia em uma perspectiva que atenda tanto às demandas dos empreendedores e do cumprimento das metas climáticas quanto promova o desenvolvimento social da região.
De acordo com o Instituto Igarapé, o Brasil tem mais de 900 rotas de tráfico que se beneficiaram da expansão da demanda por drogas e da desestruturação das políticas de comando e controle, sobretudo no governo anterior. O cenário fica ainda pior porque quem está na base dessas práticas são pessoas vulneráveis e em busca de subsistência, o que favorece a ilegalidade e as conexões entre as diversas práticas criminosas.
Um exemplo disso ocorre com o avanço da pecuária ilegal. O chamado narcodesmatamento se aproveita de terras griladas e devastadas para a lavagem de dinheiro por meio da criação de gado. Dessa forma, se percebe uma conexão entre economias ilícitas e crimes ambientais.
“Nos oito países da bacia amazônica, o desmatamento ilegal, a mineração e a grilagem de terras se cruzam com a fraude, a lavagem de capitais, o tráfico de drogas e crimes violentos. O ecossistema do crime na Amazônia se ergue na convergência de crimes ambientais com crimes não ambientais e produz danos sociais profundos”, afirma Ilona Szabó.
Para ela, é correto o fortalecimento dos órgãos ambientais visando a redução do desmatamento, contudo também são necessários investimentos nas áreas de inteligência, monitoramento e cooperação tendo como foco o desenvolvimento de fontes de renda aliadas da proteção da floresta.
“Embora o comando e controle seja absolutamente essencial, não basta. Só vamos conseguir virar a página quando tivermos alternativas econômicas para as pessoas que trabalham na base dessas economias ilícitas. Opções que sejam compatíveis com a floresta de pé”, destaca.
Para isso, Ilona Szabó defende que seja criado um ambiente que favoreça modelos financeiros regulados para, assim, atrair capital responsável, paciente e comprometido com a integridade ambiental. Além disso, ela ressalta que é preciso uma transformação na cultura da economia tradicional, que busca promover monoculturas na bioeconomia, por exemplo.
“O nosso ouro é a biodiversidade. O Brasil pode ser potência verde nos mercados de alta integridade de carbono, no mercado futuro de créditos de biodiversidade, na bioeconomia, na biotecnologia e no turismo sustentável. Outro mercado crucial é o da transição energética — o Brasil tem matriz energética limpa e minerais críticos para transição. Mas a mineração de minerais críticos não pode ser incompatível com a proteção da biodiversidade. Uma coisa não pode sabotar a outra”, frisa.
Ela salienta ainda que o compromisso com a melhora dos índices de desenvolvimento humano, a defesa dos povos tradicionais e da floresta e com a segurança alimentar, energética e climática são essenciais para uma nova economia na Amazônia.
“O que a gente menos conhece e é potencialmente mais rentável é a economia da biodiversidade. Temos que preservar o serviço que a floresta tropical traz para todas as outras economias — o controle da temperatura, as chuvas, o fluxo de água que permite à nossa produção agrícola ser tão fértil, a energia. É um dever transformar o que hoje são economias ilícitas e informais na Amazônia em economias compatíveis com a floresta”, reforça Ilona Szabó.