A combinação do El Niño com os efeitos das mudanças climáticas impulsionadas pelas ações humanas levou a Amazônia a viver uma seca de grandes proporções em 2023. O impacto desse fenômeno tem preocupado cientistas e ambientalistas que notam uma ocorrência cada vez mais frequente de estiagens desse tipo. Para os especialistas, é preciso pesquisar e agir em prol da conservação para que os eventos extremos não se tornem um “novo normal” para a região.
Antes da mais recente seca histórica, o evento mais severo na região tinha sido registrado em 2015; e, antes disso, nos anos de 2010 e 2005. Ou seja, a Amazônia viveu, pelo menos, quatro períodos de escassez hídrica intensa apenas neste século, uma tendência alarmante já prevista nas projeções do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) e do Painel Científico para a Amazônia (SPA).
“Estamos falando de um intervalo menor entre eventos extremos, no qual a gente nem tem tempo de recuperar de um e já vem vindo um outro”, afirmou a bióloga e pesquisadora do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA) e do SPA, Flávia Costa em reportagem do UOL.
De acordo com os estudos, o aumento das temperaturas médias do planeta tornará as florestas tropicais, como é o caso da Amazônia, mais quentes e menos úmidas. Esse cenário implica em queda na vazão dos rios, menos disponibilidade de água, além de impactos em atividades como a pesca e a agricultura.
“Nós estamos vendo como é viver um cenário de secas mais frequentes e estamos percebendo que não estamos preparados para isso. O conhecimento científico que temos é muito claro: temos de tomar iniciativas para impedir o desmatamento e a degradação dos rios e florestas se quisermos mitigar eventos como esse de 2023”, analisa a ecóloga e co-presidente do SPA, Marielos Peña-Claros.
As investigações demonstram ainda que houve uma confluência de fatores que intensificaram a seca de 2023, como a ocorrência de ondas de calor e o índice de chuvas abaixo do esperado. No entanto, contribuíram também as ações de degradação da floresta, como o desmatamento e as queimadas, cujo impacto se alastra por diferentes regiões.
“Como temos florestas mais abertas, sobretudo mais ao sul da Amazônia, ocorre uma redução grande da umidade e da água que as árvores lançam na atmosfera. Isso gera uma nova condição do meio ambiente que empurra a região para mais perto de um cenário de um calor que não é compatível com a vida humana nem com a saúde da vegetação”, explica Flávia Costa.
Para enfrentar esse problema, o SPA considera que é preciso reforçar as estratégias que aliem a pesquisa científica à proteção da Amazônia, favorecendo, por exemplo, a criação de áreas continuas de florestas preservadas, que ajudam nos processos de restauração. Nesse sentido, uma das áreas prioritárias para a criação de unidades de conservação seria no noroeste da Amazônia, onde há condições de clima mais favoráveis e espécies mais resilientes à seca.
Além disso, o grupo defende que seja incentivado um modelo de desenvolvimento que não seja caracterizado pela simples extração de recursos naturais ou pela devastação da floresta nativa. Para isso, um dos focos é a produção de conteúdos e materiais para suporte à elaboração de políticas públicas.
“Estratégias de melhor manejo do solo garantem a economia, sem perder floresta. É possível gerar mais valor agregado com produtos locais em sintonia com o bem-estar das pessoas dos ecossistemas”, exemplifica Marielos Peña-Claros.