A extração do látex da seringueira tem uma importância histórica para a economia da Amazônia. Na virada do século XIX para o XX, a borracha foi o segundo produto mais valioso para a balança comercial brasileira. A competição desleal com as monoculturas asiáticas fez o extrativismo recuar drasticamente, sendo superada até pelos plantios da região Sudeste. Porém, o atual cenário de valorização das estratégias de conservação e melhor remuneração de atividades de base sustentável dos seringais devem ajudar a região a viver um novo ciclo da borracha.
Essa nova era tem estimulado a reativação de seringais em diferentes partes da Amazônia. Segundo reportagem da BBC, no município de Inhangapi, no nordeste paraense, por exemplo, os irmãos José do Carmo Alves e Maria das Neves Alves Basto voltaram a extrair e vender o látex das árvores que não eram exploradas desde meados da década de 1980.
O estimulo veio com a oferta de pagamentos que consideram não apenas o valor da commodity, mas também um adicional pelos serviços ambientais prestados. Com isso, o preço-padrão que é de cerca de R$ 2 por quilo da borracha salta para R$ 10 com o pagamento do comprador que remunera a manutenção da floresta em pé.
Além disso, os extrativistas são beneficiados por um valor adicional concedido pela Política de Garantia de Preços Mínimos para os Produtos da Sociobiodiversidade (PGPM-Bio), que assegura o valor mínimo de R$ 7,18 por quilo da borracha. Dessa forma, o valor pode chegar a cerca de R$ 18, o que tem animado os produtores a voltarem para a atividade.
“É uma ajuda muito grande na renda. Uma árvore dessas aqui é fundamental para a gente que conhece o ramo, extrai o látex e sabe trabalhar a borracha. É muito bom”, contou José do Carmo à BBC Brasil.
Empreendimentos
Por trás dessa retomada do extrativismo da borracha estão empreendedores como Francisco Samonek, um paranaense radicado na Amazônia e que atua em três linhas de frente: com uma Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscip) dedicada ao desenvolvimento de tecnologias para educar e aprimorar os processos dos seringueiros; uma cooperativa que auxilia na organização dos trabalhadores e a fábrica Seringô, responsável pela produção de calçados com a borracha nativa.
Atualmente, a marca adquire o látex de cerca de 1.500 famílias, entre eles os irmãos José e Maria. A expectativa é expandir o número de fornecedores, chegando a 4.500.
“O seringueiro é o melhor guarda florestal que nós temos. Se ele receber um preço justo pela produção de borracha artesanal, ele vai ficar ali cuidando da floresta”, diz Samonek.
O negócio aposta na parceria com empresas interessadas na aquisição de matérias-primas sustentáveis, como é o caso da marca francesa Vert/Veja, que é a maior compradora de borracha nativa da Amazônia. A cada ano, a indústria adquire cerca de 700 toneladas de borracha produzida por 2.500 famílias organizadas em cooperativas nos estados do Pará, Acre, Amazonas, Rondônia e Mato Grosso.
“Grande parte das famílias com as quais trabalhamos tinha um histórico de seringueiros, mas tinha parado por décadas. Agora está havendo um resgate da atividade e da identidade dessas famílias, mas dentro de um novo modelo”, comenta Luciana Pereira, diretora de cadeias produtivas da Vert/Veja.
Projeção é de dobrar produção
De acordo com o Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora), o Brasil produz 259 mil toneladas de borracha por ano, sendo que apenas 840 toneladas, o equivalente a 0,3% do total, tem origem na Amazônia, de onde a seringueira é uma espécie nativa.
Apesar disso, as expectativas são de incremento da atividade. Já em 2024, a projeção é que a produção dobre. No ano passado, um grupo de empresas, cooperativas e ONGs firmaram um compromisso para que, pelo menos, 1.700 toneladas de borracha da Amazônia sejam compradas pelas indústrias do setor, respeitando o tempo do ciclo de produção da floresta, os modos de vida das populações tradicionais e práticas de comércio justo.
“Essa é a aliança perfeita para uma nova economia que concilia a produção de conservação. Temos a oportunidade de gerar mais renda e melhorar a qualidade de vida das comunidades da Amazônia por meio da manutenção da floresta em pé”, diz Luiz Brasi, gerente da Rede Origens Brasil.