Por Fabrício Queiroz
A Amazônia possui a maior superfície de água do Brasil, com 10,9 milhões de hectares, segundo dados do MapBiomas referentes ao ano de 2022, quando houve um crescimento de 6,2% na extensão dos corpos d’água. Apesar disso, o levantamento mostra que a tendência geral é de redução nesse índice em função dos sucessivos eventos de seca que provocam queda nos volumes de chuva. Para preservar esse recurso, a recomendação da ciência é atuar ao nível das paisagens, incentivando ações como a restauração florestal.
Estudos científicos já revelaram que a seca severa enfrentada em 2023 foi causada não apenas pelo El Niño, mas sobretudo pelo impacto das mudanças climáticas que são intensificadas por práticas como o desmatamento. Na semana em que se celebra o Da da Água, em 22 de março, o Pará Terra Boa destca um documento elaborado pelo Painel Científico para a Amazônia (SPA, na sigla em inglês), em que reforça esse entendimento ao destacar os impactos humanos nas emissões de carbono e na perda dos serviços ecossistêmicos.
“A perda de florestas pode reduzir a precipitação e aumentar as temperaturas da superfície terrestre, especialmente durante a estação seca, reforçando um ciclo de retroalimentação no qual a redução da transpiração leva a uma diminuição do conteúdo de água atmosférica e a novas reduções na precipitação. Isso já foi observado na região sul e sudeste da Amazônia, onde a estação seca é 4 a 5 semanas mais longa”, diz um artigo publicado pelo SPA.
Na mesma linha, um artigo publicado na revista Geophysical Research Letters faz uma constatação preocupante sobre o cenário atual e os efeitos futuros da devastação sobre os recursos hídricos. As modelagens realizadas indicam que a extensão atual do desmatamento já levou à redução das chuvas anuais na bacia amazônica em 1,8%. Até 2050, a estimativa é que o índice de precipitação caia 8,1%.
Para manter e recuperar o nível de chuvas da região, uma das estratégias defendidas é a restauração florestal. Um dossiê do SPA ressalta a importância dessa abordagem para a absorção de carbono e o combate às mudanças climáticas, por exemplo.
Segundo o estudo, os cerca de 2,4 milhões de hectares de florestas secundárias existentes na América Latina serão capazes de absorver o equivalente a 9 bilhões de toneladas de carbono, compensando as emissões provenientes dos processos industriais da América Latina e Caribe no período de 1993 a 2014. Além disso, o trabalho evidencia os benefícios da restauração para o clima do bioma.
“A restauração terrestre ajudará a Amazônia a manter sua integridade hidrológica, com a evapotranspiração de florestas restauradas contribuindo para a transferência de umidade no sentido Leste-Oeste. Essa restauração também poderia beneficiar os ecossistemas aquáticos, assegurar que os níveis de descarga nos rios fossem mantidos por toda a bacia e até mesmo a transferência de nutrientes para as planícies inundadas. A maior umidade também ajudaria a prevenir queimadas, que são algumas das principais causas do colapso ecológico em grande escala”, pontua um trecho do documento.
Assim como a seca, os períodos de cheias intensas também trazem enormes danos, principalmente para as populações que habitam próximo de áreas inundáveis. Nesse quesito, a restauração na escala das bacias também pode ajudar a mitigar esse risco que é potencializado pelo desmatamento.
“Os modelos sugerem que a restauração de sub-bacias de matas ciliares é provavelmente um dos mecanismos mais eficazes para reduzir inundações, sendo que, por exemplo, a restauração em 10-15% da bacia reduziria a magnitude do pico das inundações em 6% após 25 anos”, acrescenta o artigo.
Outros efeitos positivos do incentivo à restauração florestal incluem a garantia dos direitos territoriais de povos indígenas e comunidades tradicionais, o fortalecimento de modelos econômicos baseados nos produtos da floresta, bem como na recuperação da produtividade de áreas degradadas a partir de modelos sustentáveis, a exemplo do que ocorre com o SAF e o ILPF.
“Manter ou até mesmo reduzir a duração da temporada seca poderia beneficiar sistemas de dupla lavoura que são vulneráveis a mudanças climáticas”, destaca.
Para impulsionar esses benefícios, o SPA defende o engajamento dos setores público, privado e da sociedade civil em torno da restauração florestal pensada ao nível das paisagens e das bacias hidrográficas, ou seja, levando em consideração as diferentes formas de uso da terra e a necessidade de potencializar suas vantagens sociais, econômicas e ambientais.