No oeste paraense, um rico patrimônio da pré-história amazônica pode ser conhecido no Parque Estadual Monte Alegre (PEMA). Ali estão abrigados sítios arqueológicos com registros de pinturas rupestres que datam de aproximadamente 12 mil anos, cuja importância foi decisiva para a escolha em 2022 do Parque Monte Alegre como monumento mundial de valor inestimável pela World Monuments Fund (WMF).
Novos estudos indicam que a riqueza patrimonial da região é ainda maior. Ao redor do PEMA, especialistas em Arqueologia na Amazônia desenvolvem pesquisas que resultaram na descoberta de novos tesouros do passado amazônico. Até agora, 14 novos sítios arqueológicos foram identificados em propriedades privadas na região do Cauçu, onde a preservação da arte rupestre se vê ameaçada pelo avanço de processos antrópicos, como as queimadas.
O registro dos novos sítios arqueológicos é resultado de projetos coordenados pela pesquisadora do Museu Paraense Emílio Goeldi, Edithe da Silva Pereira, com apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e de um financiamento proveniente de Marcela Pereira Soares, artista plástica e empresária mineira – trata-se da primeira iniciativa de financiamento de pesquisa científica feita por um mecenas na Amazônia.
Edithe Pereira conheceu a localidade de Cauçu há cerca de 10 anos, quando o terreno pertencia a uma única pessoa. Após o falecimento da proprietária, a área foi dividida em lotes menores, que foram adquiridos por diversos pecuaristas. A pecuária local costuma abrir pastagens com uso do fogo, o que deixou expostos os registros em pintura encontrados nos labirintos rochosos típicos da região.
Mecenato
As mudanças na paisagem provocadas pelas queimadas sensibilizaram Marcela Soares, que acompanhava uma expedição por Monte Alegre conduzida por Edithe em maio do ano passado. A enorme beleza, importância e vulnerabilidade dos sítios motivou Marcela a agir rapidamente para garantir proteção daquele acervo.
Ela adquiriu dois dos lotes à venda para proteger o patrimônio ameaçado e incentivar a investigação científica na área. E foi neste local que oito sítios arqueológicos foram descobertos em setembro de 2023, quando a pesquisa era financiada pelo CNPq, que se somaram a outros seis descobertos na etapa seguinte com o financiamento privado. Todos os sítios estão catalogados no Cadastro Nacional de Sítios Arqueológicos (CNSA).
“É uma grande formação rochosa cujas frestas formam um intricado labirinto no qual se encontram diversos abrigos. É nas paredes e nos tetos destes abrigos que estão as pinturas. Durante a pesquisa que realizamos em janeiro deste ano documentamos os sítios que já conhecíamos e ainda encontramos mais. No total, temos 14 sítios, mas deve ter muito mais. É preciso procurar e investir no trabalho de prospecção, ou seja, na procura de sítios dentro da área do Cauçu”, afirma Edithe Pereira.
Importância da conservação
Os dados coletados até então são preliminares, mas já evidenciam a importância da conservação desses sítios visto que são vestígios de antigas sociedades humanas. Um indicativo nesse sentido é devido às diferenças notadas nos desenhos e padrões gráficos, com predominância de figuras geométricas, superposições e menos representações humanas quando comparado as pinturas rupestres conhecidas no PEMA.
“Provavelmente, foram culturas diferentes que andaram no Parque e no Cauçu. As pinturas também têm uma característica interessante que é a localização delas em pequenos abrigos. Como é uma região difícil de morar por causa da presença de muitas rochas, supomos que eles iam ali exclusivamente para pintar. Eles deveriam morar por perto e há indícios disso porque há terra preta com cerâmica no entorno dessa imensa formação rochosa”, descreve a arqueóloga, que trabalha com a hipótese de que estes registros são marcas dos diferentes povos que habitaram Monte Alegre.
“Mesmo no Parque não foi um único grupo. Nós encontramos evidências que vários grupos humanos passaram por ali e identificamos isso no estilo das pinturas rupestres. Na região do Cauçu também. Tem várias superposições e figuras com estilos diferentes, então vários povos devem ter passado pelo Cauçu, mas nós precisamos aprofundar a pesquisa e fazer mais escavações para ter mais informações sobre essas sociedades”, destaca.
Para o melhor conhecimento da cultura dos povos envolvidos na produção da arte rupestre, os registros e informações obtidas nos sítios arqueológicos passam por diversos processos de análise em laboratório que estão em curso atualmente. As pinturas e gravuras, por exemplo, foram fotografadas para serem submetidas ao decalque digital, em que ocorre a impressão para investigação dos motivos, cores e da representação espacial dos desenhos.
Riscos para o patrimônio arqueológico
A expansão do agronegócio pela Amazônia ocidental preocupa, pois, a instalação desses empreendimentos se dá com a abertura de áreas por meio de queimadas ou desmatamento, prejudicando a conservação da sociobiodiversidade local, bem como intensificando os processos de mudanças climáticas. Além disso, as pesquisas arqueológicas se vêm diante do constante risco de perda de informações cruciais para o conhecimento sobre a história, a cultura e os modos de vida das antigas sociedades amazônidas.
“No momento que uma área é queimada, como ocorreu em setembro do ano passado, sítios que estavam protegidos pela mata, agora estão com as pinturas expostas diretamente ao sol porque toda vegetação dali foi embora. Não são apenas sítios com arte rupestre, mas também com outros vestígios como terra preta e cerâmica. Estes sítios, particularmente, são fortemente afetados com o uso da terra como pasto. Com a compra dos dois terrenos no Cauçu, pelo menos agora nós temos a garantia de que não vai ter queimada, nem pasto nem agricultura nesses locais”, comenta Edithe Pereira.
Para a pesquisadora do Museu Goeldi, os resultados das pesquisas em Monte Alegre demonstram a importância arqueológica do local e a necessidade de aumentar os investimentos públicos. Edithe também pontua que pessoas físicas interessadas em arqueologia, e com disponibilidade de recursos, tem na ação de Marcela Soares uma fonte de inspiração e, quem sabe, o estímulo para a realização de doações privadas para a ciência.
Esse tipo de investimento na Amazônia é algo inédito e merece ser amplamente divulgado, ressalta a arqueóloga, que este ano foi destaque na homenagem ao PEMA feita pela Escola de Samba de Monte Alegre – Boêmios do Morro.