A atividade garimpeira no interior da Amazônia é uma das principais ameaças à preservação da floresta e à proteção de povos e comunidades tradicionais, que já sofrem com os efeitos da contaminação por mercúrio. O comércio desse metal altamente tóxica é o foco do novo estudo do Instituto Escolhas, que aponta para a origem ilegal do mercúrio utilizado no país. Segundo a pesquisa, pelo menos 185 toneladas da substância foram usadas nos garimpos nos últimos cinco anos.
O estudo “De onde vem tanto mercúrio?” analisou dados oficiais da produção de ouro em áreas com permissão de lavra garimpeira, estimativas de uso do mercúrio nas operações e registros oficiais de importação no período de 2018 a 2022. De acordo com a análise, há um descompasso entre a produção brasileira de ouro que está em alta e as importações de mercúrio.
Nesse período, o Brasil produziu 127 toneladas de ouro registradas em áreas com permissões de lavra garimpeira. Para isso, seriam necessárias entre 165 e 254 toneladas de mercúrio, no entanto o volume importado somou apenas 68,7 toneladas, o que indica um déficit de 96 a 185 toneladas.
A pesquisa destaca que a estimativa é conservadora, já que foi considerada apenas a produção de ouro registrada com permissão de lavra garimpeira. Como há um grande volume de ouro extraído de forma ilegal e em áreas não autorizadas na Amazônia, a hipótese é que a quantidade de metal utilizado seja muito maior.
“Esse dado preocupa porque revela uma enorme falha do controle oficial sobre o comércio de algo que representa um grave perigo à saúde humana e ao equilíbrio ambiental. O Brasil precisa se comprometer com o fim do uso do mercúrio e, até que isso ocorra, o mínimo que se espera é um controle rígido sobre o mercúrio que ainda circula no país”, afirma Larissa Rodrigues, pesquisadora do Escolhas e responsável pelo estudo.
Rota de comércio ilegal
Outro alerta importante é o fato de que as exportações de ouro aumentaram de 35 toneladas para 96 toneladas por ano e as áreas de garimpo avançaram de 68 mil hectares para 224 mil hectares entre 2002 e 2022. Na contramão disso, as importações oficiais de mercúrio no País caíram de 67 toneladas para 15 toneladas por ano.
Os dados oficiais indicam que os principais fornecedores de mercúrio para o Brasil são o México, o Japão e os Estados Unidos, porém a suspeita é que o País esteja na rota do comércio ilegal do produto, sendo abastecido por grupos da Bolívia, que é o maior importador de mercúrio da América do Sul, além da Guiana e do Peru, que são, respectivamente, grandes importadores e exportadores do metal. O Brasil, por sua vez, não é produtor de mercúrio.
“Os garimpos não deixaram de usar mercúrio na extração de ouro nessas duas décadas, mas as importações oficiais de mercúrio no País caíram de 67 toneladas para 15 toneladas por ano naquele mesmo período. A conta não fecha e tudo aponta para uma ampliação do comércio ilegal de mercúrio no país”, alerta a pesquisadora.
Para enfrentar o problema, o Instituto Escolhas recomenda que o Brasil assuma um compromisso com a erradicação do uso de mercúrio; atue no engajamento de outros países da região com essa meta; incentive e desenvolva novas tecnologias e processos que possam substituir o mercúrio nas operações de garimpo, assim como fortaleça a fiscalização e o combate à emissão irresponsável do produto no meio ambiente.