Ampliar o acesso à energia elétrica ainda é um desafio na Amazônia. Enquanto as concessionárias enfrentam dificuldades logísticas e operacionais para chegar aos pontos mais distantes, as próprias comunidades têm buscado alternativas de fornecimento. Na Ilha das Cinzas, localizada no município de Gurupá, no Arquipélago do Marajó, a solução encontrada foi o desenvolvimento de projetos com energia solar fotovoltaica.
Na localidade, a única forma de ter energia elétrica em casa era com a compra de motores alimentados com diesel ou gasolina. Com grande parte da comunidade ribeirinha sem condições financeiras de investir nesse tipo de solução, a realidade dos moradores era marcada por uma série de restrições que prejudicavam o acesso até aos recursos mais básicos.
“Pegávamos os baldes, enchíamos e carregávamos para casa, onde tratávamos com cloro. Tínhamos que fazer isso para todos os nossos afazeres, desde tomar banho até lavar louça e roupas. Ficávamos indo buscar água praticamente o dia todo. Quando surgiram os painéis solares, tudo mudou”, contou ao Ecoa a moradora da ilha, Antônia de Fátima Queiroz.
A rotina dela e de outros moradores mudou efetivamente em 2018, quando a Ilha das Cinzas foi beneficiada por um projeto financiado pela Fundação Honnold (EUA) para implantação de placas solares em toda a comunidade, mas com foco também na capacitação local para instalação e resolução de problemas dos sistemas.
“Agora, podemos usar uma batedeira para fazer o açaí, conseguimos fazer o chopp para uma renda extra, já que temos uma geladeira para armazenar os alimentos, podemos usar máquina de lavar e temos sistema de bombeamento de água. Hoje, é muito raro a gente ver alguém indo buscar água em baldes”, completa Antônia.
Para o presidente da ATAIC, Francisco Malheiros, as vantagens vão além das facilidades oferecidas pelos eletrodomésticos e alcançam o chamado uso social da tecnologia, utilizada como ferramenta para fortalecer a luta por direitos, como a soberania e a segurança alimentar.
“A gente sempre fala: energia por si só não resolve o problema. Tem que pensar nessas outras possibilidades que podem ser acessadas com a energia. E a partir dela discutir produção, gênero, juventude, sóciobiodiversidade, e aquecimento global. A energia não é para trazer evasão escolar ou violência, por exemplo”, destaca Francisco.
Apesar de ser um grande produtor e fornecer energia elétrica para todo o país, o Pará é o estado amazônico onde mais pessoas não têm acesso a esse recurso. Uma pesquisa do Instituto de Energia e Meio Ambiente (IEMA) mostra que 409.593 não são atendidos pelos serviços elétricos fornecidos pelas concessionárias, o que representa mais de 40% do total de 990.103 amazônidas sem o serviço.
Na avaliação do coordenador de projetos no IEMA, Ronaldo Baitelo, experiências como as da Ilha das Cinzas apontam caminhos para enfrentar o problemas, mas também chamam atenção para a necessidade de aprimorar as políticas públicas de energia a partir das particularidades da Amazônia, como as dimensões geográficas, as dificuldades de acesso e as necessidades das comunidades isoladas
“Há uma série de modelos que existem e podem ser replicados. Falta de certa forma um olhar mais carinhoso para as populações que estão em territórios isolados e um olhar mais estratégico do ponto de vista que a Amazônia é uma potência”, ressalta o especialista.