Os conflitos entre latifundiários e trabalhadores rurais marcam a história da luta pela terra no interior do Pará. Episódios como o massacre de Eldorado dos Carajás, ocorrido em 1996, e a chacina de Nova Ipixuna, de 2017, são exemplos da violência que assola a região, seja pelos métodos da pistolagem ou pela ação de milícias que atuam sob o lema “invasão zero”.
O modus operandi do combate às ocupações de terra no sudeste do estado, porém, mudou após a flexibilização do acesso à posse e porte de armas durante o governo de Jair Bolsonaro, revela a Repórter Brasil. Empresas de segurança ou grupos armados agem a mando de grileiros e grandes fazendeiros coibindo a ocupação de áreas improdutivas sem rastros de morte, mas com práticas não menos violentas.
“A milícia chegou. Todos encapuzados, dando tiros para o alto, batendo nos acampados e mantendo alguns como reféns”, conta Matias da Silva Souza, liderança do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) de Marabá, que foi expulso da fazenda Santa Tereza, em 2018.
Grupos ruralistas passaram a se articular em torno de patrulhas rurais contratadas para promover os despejos ilegais, revela a reportagem.
“Houve uma mudança que passou a ser a articulação através de grupos de Whatsapp. Quando acontece uma ocupação, os fazendeiros se organizam e chegam rapidamente aos locais, em grandes grupos. Queimam tudo: barracas, documentos, carros, motos, mas não matam mais”, comenta José Batista Afonso, advogado da Comissão Pastoral da Terra.
A prática conhecida como invasão zero se disseminou pelo Brasil com o apoio de grandes produtores rurais em diferentes estados. Somente na Bahia, foram sete ações desse tipo registradas em 2023, incluindo uma que culminou na morte da líder indígena Nega Pataxó. Na Câmara dos Deputados, a bancada ruralista criou uma frente parlamentar composta por 204 deputados denominada com esse lema.
Um fator que contribuiu para o fortalecimento desse movimento foi o aumento dos registros de posse e porte de armas durante o governo passado. No Pará, o número de armas de fogo cresceu 212% entre 2017 e 2022, passando de 13,9 mil registros por ano para 43,5 mil. Além disso, a ação das milícias rurais conta com o apoio de empresas de segurança privada que têm policiais aposentados e da ativa em seu quadro de funcionários, que conseguem descaracterizar cenas de confronto, por exemplo.
Vivendo sob pressão e incertezas, as cerca de 1.200 famílias que ocupavam a fazenda Santa Tereza estão acampadas de forma improvisada em um pequeno lote e ainda devem esperar mais para ter direito a um espaço para morar e trabalhar.
Segundo a superintendência do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) na região, o órgão está “sucateado”, sem verbas para desapropriação de terras e com um quadro de pessoal que caiu de 250 para 50 funcionários.
Sem respostas efetivas contra as milícias e sem perspectivas de poder produzir, a agricultora Raimunda da Silva Gomes conta que sua rotina é sobressaltada desde que vivenciou um ataque na fazenda São Vinicius, em Nova Ipixuna.
“Todo dia eu durmo com medo”, afirma Raimunda.