De 1º de janeiro a 11 de setembro, a Amazônia registrou 86.195 focos de incêndio, um marco para a história recente do bioma que enfrenta ainda a pior estiagem dos últimos anos. As condições climáticas favorecem a propagação do fogo que leva à degradação florestal e também aumenta as emissões de CO2 e outros gases do efeito estufa. De acordo com dados do programa Copernicus, os eventos atuais colocaram o sudoeste da Amazônia no topo das emissões do planeta.
“A região se tornou a maior emissora de gases de efeito estufa devido ao avanço do desmatamento e às queimadas”, explicou ao O Globo Lucas Ferrante, doutor em biologia e pesquisador da USP e da Universidade Federal do Amazonas.
O resultado é crítico, mas segundo o professor de Economia na PUC-RS Gustavo Inácio Moraes, ainda não indica uma tendência alarmante, já que o problema está relacionado ao aumento sazonal das queimadas nesse período do ano.
Ainda assim, o fogo vem criando cenários de crise em diferentes partes da região. A reportagem do Globo percorreu pontos críticos na BR-163 (Cuiabá-Santarém), na BR-230 (Transamazônica) e na Transgarimpeira, em Itaituba, no sudoeste do Pará. Em todas elas as queimadas criam desafios para a floresta e a população.
No município de Trairão, por exemplo, uma família precisou sair de casa às pressas para tentar conter as chamas de um terreno ao lado. A mulher retirava os objetos de casa, o homem usou um trator para jogar terra sobre o fogo e os vizinhos se aproximaram com baldes e uma mangueira.
Nas proximidades de Itaituba, os bois foram para o meio da rodovia Transgarimpeira para escapar das chamas no pasto. A fumaça espessa encobriu o céu onde se via o sol apenas como uma mancha avermelhada. Na mesma região foi registrado o avanço do fogo sobre o Parque Nacional do Jamanxim, unidade de conservação já ameaçada pelo garimpo ilegal.
“Sempre tem fumaça nessa época, mas não tanto quanto agora”, comentou Emília Silva, que mora às margens da BR-163.
Queimadas criminosas
No outro lado do estado, agentes e brigadistas do Ibama combatem as chamas na Terra Indígena Apyterewa, em São Félix do Xingu. A TI é alvo de uma operação de desintrusão, onde se tenta retirar o gado ilegal. De acordo com a equipe local, alguns invasores iniciaram a queimada na área para impedir a ação do governo. A denúncia foi levada à Polícia Federal, que já abriu neste ano outros 19 inquéritos para apurar incêndios criminosos na Amazônia e no Pantanal.
“Tem muito fogo acidental e alguns podem ser criminosos. O pessoal põe fogo em pequenas roças e no quintal. A seca neste ano foi a mais severa, como não víamos desde a década de 1980. A última vez que choveu foi em maio”, contou João Cleber de Souza Torres (MDB), prefeito de São Félix do Xingu, município campeão de queimadas em todo o país com 5.610 focos de calor.
Já em Novo Progresso, que ficou conhecido nacionalmente pelo “Dia do Fogo” em 2019, são 4.389 incêndios registrados desde o início de 2024. Segundo o prefeito Gelson Dill (MDB), a situação atual é pior do que nos anos anteriores.
“Moro aqui há 25 anos e não me lembro de ter vivido uma seca tão grande. A brigada de bombeiros mais próxima fica a 400 quilômetros. Estamos tentando usar os nossos caminhões pipas, mas eles não conseguem acesso às áreas”, afirmou.