O recente anúncio de que o Pará formalizou a venda de créditos de carbono ao valor de quase R$ 1 bilhão para a Coalizão Leaf mobilizou o Ministério Público Federal e indignou um coletivo de organizações que representam povos e comunidades tradicionais do estado.
Pelo acordo, com base na redução do desmatamento entre 2023 e 2026, o Pará entregará 12 milhões de créditos para que os membros da Coalizão Leaf possam compensar suas emissões. O grupo reúne gigantes do mercado, como a Amazon, Bayer e Nestlé, assim como governos da Noruega, Reino Unido, Estados Unidos e Coréia do Sul. Para as entidades, a negociação é uma forma de terceirizar a responsabilidade desses emissores aos povos da floresta.
Para o MPF, os mecanismos de Redução de Emissões de Desmatamento e Degradação Florestal (REDD+) não podem impulsionar a chamada grilagem do carbono, que é a apropriação de terras públicas e territórios de povos e comunidades tradicionais para garantir a geração de créditos. Nesse tipo de prática o que traria um benefício para a crise climática acaba ocorrendo em um contexto de violação de direitos humanos.
“O mercado de carbono não pode ser mais um instrumento de violação de direitos territoriais de povos e comunidades tradicionais”, disse o procurador-chefe do Ministério Público Federal (MPF) no Pará, Felipe de Moura Palha, durante oficina técnica sobre o tema realizada pelo Ministério do Meio Ambiente e Mudança Climática (MMA) na semana passada.
Em parceria com o Ministério Público do Estado do Pará (MPPA), o MPF elaborou uma nota técnica com recomendações a respeito da proteção dos direitos dos povos e comunidades tradicionais no contexto do mercado voluntário de carbono. Entre os aspectos que devem ser observados estão os direitos à proteção do território; à consulta prévia, livre e informada e à repartição justa de benefícios.
Carta pública
Em carta pública, um total de 38 movimentos sociais denunciam que a negociação ocorreu sem o respeito ao direito de consulta prévia, livre e informada garantido pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da qual o Brasil é signatário.
Na carta, os movimentos defendem a necessidade da consulta prévia, livre e informada como forma de transparência e de respeito à autodeterminação e aos direitos desses povos. Além disso, ressaltam que a demarcação de terras indígenas, titulação de territórios quilombolas e regularização fundiária são essenciais para a continuidade desses grupos e o enfrentamento às mudanças do clima, mas, como direitos, não devem estar condicionados a qualquer obrigação.
“As bandeiras de luta em defesa do meio ambiente, seja físico, cultural ou espiritual, não podem ser tratadas como moedas de troca para a comercialização de créditos de carbono”, destaca um trecho da carta pública.