Uma pequena casa em uma área verde de 38 hectares é um dos últimos resquícios da floresta amazônica que se tornou uma ilha em um mar de soja por todos os lados Esse é o cenário da comunidade de Chaves, no município de Mojuí dos Campos, no oeste paraense. Onde hoje é um polo do agronegócio, antes agricultores familiares produziam alimentos essenciais e mantinham a floresta preservada. Uma tradição cada vez mais ameaçada, como revela reportagem do Brasil de Fato.
A mudança é tão grande que impacta de diversas formas na vida dos agricultores. Um dos desafios é a convivência com os agrotóxicos utilizados nos cultivos, o aumento da quantidade de insetos que buscam habitat nas áreas preservadas, além do calor intenso que torna a rotina de trabalho ainda mais cansativa.
“Na época que morava umas 70 famílias aqui, a gente vinha meio-dia, uma hora da tarde, pegava um saco de produto, botava nas costas, vinha de lá para cá, por debaixo do mato”, lembra Pedroso. Agora, dá meio-dia, você não aguenta, não. É perigoso, porque não tem uma sombra, não tem nada”, lamenta o agricultor José Aldenor da Silva Pedroso, que vive na região com a esposa Expedita de Souza Lima. Eles são uma das três famílias que restaram na comunidade de Chaves.
A situação passou a mudar na década de 1990, mas acelerou a partir dos anos 2000, quando os sojeiros do Centro-Oeste avançaram com mais intensidade rumo à BR-163 (Cuiabá-Santarém), que é a principal rodovia utilizada para o escoamento da produção de grãos para o exterior por meio de terminais como o da Cargill, instalado na região em 2002.
O reflexo disso se nota na paisagem dominada pelos grãos. Em 2005, Mojui dos Campos tinha 3 mil hectares destinados ao cultivo de soja. Em 2023, a área saltou para 51,4 mil hectares, segundo dados do Mapbiomas. No mesmo ritmo cresceu a devastação da floresta na cidade, que viu sua taxa de desmatamento crescer de cerca de 400 hectares em 2013 para 6,1 mil em 2021, de acordo com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).
“O sojeiro começou a comprar as terras dos meus vizinhos, né? Foi comprando, comprando e a gente já estava ficando quase isolado”, conta o agricultor aposentado Messias Tiburcio de Castro, que deixou a comunidade há sete anos, depois de viver mais de cinco décadas por lá.
Apesar da “fuga”, o agronegócio alcançou Messias e sua esposa Maria Muniz, que moram agora em uma chácara na comunidade Baixa da Onça. Por lá, é possível avistar as plantações de soja do portão. Pior ainda é que o calcário aplicado para melhorar a qualidade da terra e o agrotóxico pulverizado na região chegam à área da família trazidos pelo vento.
Produção de soja e desmatamento na Amazônia
O cenário em Mojuí dos Campos é o retrato de uma realidade de devastação da Amazônia, mas que vem sendo contida por medidas que incentivam a produção de grãos sem abertura de novas áreas com o desmatamento. A má notícia é que a Moratória da Soja, que teve um papel decisivo para mudar essa lógica, está ameaçada, após 18 anos de implementação.
Nesta semana, o Governo do Mato Grosso sancionou uma lei que elimina os benefícios fiscais concedidos às empresas signatárias da moratória. A justificativa da Associação dos Produtores de Soja do Mato Grosso (Aprosoja) é que a medida seria um entrave ao desenvolvimento da atividade, pois o acordo estaria impedindo a comercialização de grãos de áreas desmatadas legalmente.
Uma lei com o mesmo objetivo também foi aprovada em Rondônia e já há um projeto de lei semelhante em tramitação na Assembleia Legislativa do Pará (Alepa), que realizou audiência pública sobre o tema no começo de dezembro. Outra iniciativa é do Congresso Nacional com projeto de lei nº 3927.
Em resposta, mais de 60 organizações da sociedade civil, incluindo o Instituto Socioambiental (ISA) e o Conselho Nacional das Populações Extrativistas (CNS), lançaram um manifesto em defesa da Moratória da Soja. O documento ressalta que a medida representa um marco de conciliação da proteção ambiental com a produção agrícola, levando à queda da taxa anual de desmatamento do bioma amazônico.
Vale ressaltar que mesmo com a vigência da moratória, os cultivos cresceram aproveitando áreas já desmatadas e fizeram o País se consolidar como líder global nesse produto. Por outro lado, a expansão do agronegócio na região não é acompanhada no mesmo ritmo no quesito desenvolvimento.
No Pará, os três municípios com maiores produções de soja – Santarém, Paragominas e São Geraldo do Araguaia – estão no radar de grandes investidores, por outro lado, o IDH das cidades continua abaixo da média nacional. Na pesquisa mais recente, os índices foram de 0.691, 0.645 e 0.602, respectivamente, enquanto a referência nacional é 0.766.