Quem é do Pará já sabe: a floresta oferece muito remédio e comida. Da copaíba à castanha, passando pela mandioca, açaí e tucupi, a biodiversidade da floresta já faz parte da cultura e da tradição do paraense. O que os cientistas estão descobrindo agora é por que nossa floresta é tão rica. E a resposta é simples: o que chamamos de floresta é, na verdade, um gigantesco pomar.
Quem explica isso são dois pesquisadores brasileiros, Bernardo Flores e Carolina Levis, da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina). Em um artigo que acabou de ser publicado na renomada revista Science, eles detalham como as pessoas que moraram na floresta nos últimos 12 mil anos foram domesticando e cultivando plantas úteis para comida, remédio ou matéria-prima. Com isso, eles mostraram que a bacia do Amazonas é um dos principais centros onde a agricultura se originou na pré-história.
É por isso que hoje vastas extensões de floresta estão repletas de frutas, castanhas e raízes. A castanha-do-pará, por exemplo, é cultivada por indígenas há milênios e hoje é uma espécie dominante na bacia amazônica. Para algumas espécies, como cacau e mandioca, esse processo foi decisivo.
A importância dos povos da floresta pode ser comprovada ainda hoje em locais como a Floresta Nacional do Tapajós, onde o número de árvores com frutos comestíveis é maior perto de antigos assentamentos indígenas, hoje abandonados, e menor quando nos afastamos delas.
Segundo os pesquisadores, esse processo fez com que 85 espécies vegetais – a maioria das quais são árvores frutíferas – tivessem sido domesticadas em algum grau e, principalmente, mais cultivadas. Por isso, essas plantas são bem mais comuns, estando presentes em 70% da bacia amazônica. Só para comparar: as espécies não domesticadas estão presentes em apenas 47% da bacia.
Para os pesquisadores, essa biodiversidade da floresta amazônica poderá ser um dos celeiros que alimentará o planeta no futuro. Um dos benefícios é sua qualidade: um dos grandes benefícios das dietas tradicionais da floresta é justamente a diversidade de fontes de alimento, o que significa diversidade de nutrientes. A tijela de açaí com farinha, por exemplo, está presente em mais da metade (60%) das mesas dos paraenses todos os dias. Mas essa riqueza toda pode estar em risco se atividades como a agricultura comercial em larga escala de uma ou outra espécie, como soja ou dendê, destruir a floresta.
O artigo dos pesquisadores da UFSC destaca ainda que mais de 1 bilhão de pessoas dependem dos recursos florestais para nutrição e saúde em todo o mundo, mas especialmente nas regiões tropicais em desenvolvimento, como é o caso do Brasil. Essa relação ganha-ganha entre as pessoas e a floresta revela a possibilidade de conservar as florestas tropicais e, ao mesmo tempo, aumentar a segurança e a soberania alimentar. Essa é uma oportunidade para desenvolver sistemas sustentáveis de produção de alimentos, protegendo os ecossistemas florestais e promovendo a justiça socioambiental, ressaltam os pós-doutorandos.