Por Gisele Coutinho
Você, paraense, sabia que 82% da nossa população se declara negra? É o Norte do Brasil que concentra o maior porcentual de pessoas negras do País. Para você ter uma ideia e conseguir comparar, em Minas Gerais, 59% da população se declara negra, enquanto Amazonas, Acre e Amapá contam com 83% de negros, cada. Os dados são do segundo semestre de 2020 levantados pelo IBGE e elaborados pelo Dieese.
Agora, voltamos para o tema que tanto falamos por aqui nos últimos dias e que o mundo está de olho: o clima! E as questões climáticas estão totalmente relacionadas ao tema racial.
Nesta sexta, 5/11, o movimento negro brasileiro publicou em evento na 26ª Conferência das Nações Unidas para as Mudanças Climáticas (COP26) a carta “Para controle do aquecimento do planeta – desmatamento zero: titular as terras quilombolas é desmatamento zero”.
“Estamos aqui para falar em nome da maioria: 56% da população brasileira, aquela que gera riqueza, que construiu o País”, disse Douglas Belchior, historiador e cofundador Uneafro Brasil, que mediou o evento organizado pela Coalizão Negra por Direitos. Belchior celebrou da tradição, história e organização política cada vez mais forte da população preta brasileira.
Na carta, mais de 200 organizações defendem uma incidência direta contra o racismo ambiental, pela redução do aquecimento do planeta, desmatamento zero nas florestas dos biomas Amazônia, Cerrado, Mata Atlântica e Caatinga e em defesa da titulação das terras e dos territórios quilombolas também como estratégias pelo desmatamento zero. Confira aqui a íntegra da carta.
“Queremos investimento de titulação de território quilombola e participar do Fundo da Amazônia. As cidades brasileiras são cidades negras. Estamos dentro dessa agenda do clima para colocar que a carbonização foi criada por uma sociedade escravista e racista. Os países do Norte Europeu têm responsabilidade com o genocídio do povo negro no Brasil. E nós não podemos ser parte de uma discussão de apêndice. Lançamos este manifesto para dizer: sem nós não vai ter combate a crise climática. Com nós, vamos combater a crise humanitária”, disse Diosmar Filho, geógrafo, doutorando e mestre em Geografia pela Universidade Federal Fluminense (UFF) e pela Universidade Federal da Bahia, respectivamente.
Violência e mudança climática
A ativista Hannah Balieiro, jovem da Amazônia brasileira, atual presidente do Instituto Mapinguari, apontou o baixo índice de saneamento básico e a violência policial vivida pelo povo do Amapá, sua terra.
“O genocídio preto tem acontecido dentro da região amazônica de forma muito intensa e pouco noticiada. Quando falamos sobre crise climática, precisamos falar sobre juventude preta quilombola, periférica, sobre a população e seus territórios”, disse.
Hannah falou sobre o fato de áreas da periferia, como onde ela mora, não serem chamadas de morros ou periferias, como no Sul ou Sudeste, mas, sim, “área de ressaca”, regiões dentro da floresta tropical que sofrem com inundações. Ela ainda citou chuvas de granizo que atingiram o Pará, um dos reflexos das mudanças climáticas que atingem mais as regiões periféricas.
Amanda Costa, diretora-executiva da Perifa Sustentável e jovem embaixadora da ONU, ressaltou que “falar sobre crise climática na periferia é falar sobre sobrevivência”, enquanto questionou quem pode estar em uma conferência global como a COP26 para provocar transformações.
“A gente pauta sobrevivência, uma justiça social, ambiental e econômica que tem que ser fundamentada na justiça racial”.
“Falar de mudança climática sem quilombola é matar cada quilombola todo dia. É tirar de nós o nosso espaço de decisão. É infringir a Convenção 169”, avaliou Katia Penha, quilombola, coordenadora Nacional da Coordenação Nacional de Articulação de Quilombos (CONAQ) e moradora do território Sapê do Norte, no Espírito Santo.
O Brasil ratificou a Convenção 169 sobre Povos Indígenas e Tribais da Organização Internacional do Trabalho em 2003, que prevê, entre outros pontos, proteção jurídica das comunidades quilombolas.
“Estão querendo fazer o mercado de carbono em cima da área que nós preservamos, sem nos consultar. Esse mercado de carbono vem do eucalipto. Nós não plantamos eucalipto. Nós deixamos a mata em pé”, ressaltou a ativista sobre o perigo do plantio do eucalipto com pretexto de diminuir qualquer impacto ambiental.
“Cada dia que você planta um pé de eucalipto, um quilombola que perde seu espaço de vivência, seu modo de vida, sem plantar sua roça e não ter água. O eucalipto tira a água do solo e mata os rios. É isso que o mundo quer?”
Katia ainda questionou, diante de toda a questão do carbono, o compromisso firmado pelo governo brasileiro de reduzir até 2030 a emissão de carbono. “Como o governo vai reduzir?”.
Douglas Belchior lembrou ainda o rompimento da barragem em Mariana (MG), que ocorreu exatamente há 6 anos, em 5 de novembro de 2015 no subdistrito de Bento Rodrigues, distante 35 km do centro do município mineiro e até hoje sem julgamento ou recuperação ambiental.