Por Gisele Coutinho
Racismo, antirracismo, igualdade de oportunidade, equidade. A gente ouve muito falar sobre tudo isso. E na prática? Como cada palavra dessa afeta o cotidiano de pessoas negras paraenses hoje em dia e de todo brasileiro?
O 20 de novembro, Dia da Consciência Negra, tem essa função, entre outras, de lembrar que o Brasil é um país com maioria de população preta, assim como o Pará, com índices sociais desastrosos para esse contingente em vários aspectos, principalmente no que se refere a segurança, educação, saúde e mercado de trabalho.
A fatura social e política da escravidão é paga pelos pretos até hoje quando, especialmente, falamos de trabalho num país com menos de 5% de executivos negros nas 500 maiores empresas brasileiras.
As diferenças salariais são gritantes entre brancos e negros, mesmo com as mesmas qualificações. Na nossa Região Norte, a força de trabalho de mulheres negras é maior que a branca. Representa 42,2%, enquanto as mulheres brancas ocupam 35,3% do mercado de trabalho nortista, mas apenas 2,1% de mulheres negras ocupam cargos de direção, contra 3,5% de brancas nesses cargos.
Os números também são alarmantes entre os homens do Norte. Mesmo com uma divisão mais justa, de 26,3% de negros na força de trabalho e 23,7% brancos, apenas 1,7% de negros está em cargos de direção, frente a 3,4% de homens brancos diretores.
O rendimento médio de mulheres brancas no Norte é de R$ 2.438, enquanto das negras é de R$ 1.580. Um homem negro recebe, em média, R$ 1.733, enquanto o branco recebe R$ 2.638.
Os dados são do segundo semestre de 2021 da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua, do IBGE, que aponta também dados do trabalhador desprotegido, ou seja, aquele que está empregado sem carteira assinada, autônomos que não contribuem com a Previdência Social e trabalhadores familiares auxiliares. Desses, mulheres brancas são 56%, homens brancos 64%, enquanto mulheres negras representam 62% e negros 65%.
“As mulheres negras na sociedade brasileira estão em último na pirâmide social. Isso não é diferente no Pará. Onde estão as negras? Não estão no Parlamento, na Câmara Municipal. Quantas vereadoras negras temos no Pará? Apenas três. Quantas deputadas estaduais negras temos? Nenhuma. As pessoas negras não têm representatividade no espaço de poder”, afirma a professora e ativista paraense Zélia Amador de Deus ao Pará Terra Boa.
Importância do voto
Zélia é uma das principais referências na luta pela visibilidade negra no país. Professora emérita da Universidade Federal do Pará, ela é uma das fundadoras do Centro de Estudo e Defesa do Negro no Pará (Cedenpa) e do Grupo de Estudos Afro-Amazônicos (GEAM-UFPA). Também foi presidente da Associação Brasileira de Pesquisadores Negros e participou da criação do sistema de cotas negras nas universidades.
Um dos instrumentos nessa busca por justiça social apontados pela pesquisadora é o voto, ainda que a confiança do eleitor em política esteja abalada. Zélia reforça o quanto é preciso ter consciência em quem votamos, em quem depositamos nossa esperança para nos representar de forma justa nos governos estaduais, parlamentos municipais, na Presidência da República e nas duas Casas legislativas do Congresso Nacional. Ela chama atenção para o papel que os jovens têm nesse processo de mudança.
“A juventude negra paraense não pode perder de vista que temos que eleger pessoas comprometidas com a pauta do movimento negro. Pessoas que tenham o racismo como centro da sua preocupação. Não podemos mais dar voto nem eleger pessoas que não consideram o racismo o grande causador das desigualdades no Brasil. O racismo afeta todas as áreas da vida. O racismo não incide apenas em uma área da vida do brasileiro. Ele atinge saúde, educação, trabalho, renda, todas as áreas. Tem que pensar em candidato que esteja centrado na pauta do racismo, na pauta antirracista”, orienta.
Questionada sobre sua maior esperança hoje, ela fala da importância de reforçar nossa frágil democracia por meio da igualdade racial.
“A minha esperança é que a gente consiga nosso processo democrático, que foi interrompido na última eleição. A juventude negra tem que olhar para isso. Retomar nosso processo democrático para continuar construindo essa democracia que é frágil. Precisamos de uma democracia que não possa conviver com o racismo. Enquanto houver racismo não haverá democracia”, conclui.
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