Esta sexta-feira, 7/01, é uma data importante do calendário paraense. Marca os 187 anos do Movimento Cabano, a única revolução que levou o povo ao poder com a tomada do Palácio do Governo.
Homens, mulheres, indígenas, negros e caboclos participaram de uma das maiores revoluções do Brasil. Insatisfeitos com as opressões sofridas pela camadas populares, vários grupos se uniram para ascender ao poder e dar ao povo liberdade, dignidade, igualdade e libertação.
A revolução durou entre os anos 1835 e 1840 e marcou a história do Estado do Pará e da cidade de Belém.
Maior movimento popular do País
Segundo o historiador e professor da Universidade Federal do Pará (UFPA), José Alves, o movimento pode ser considerado o maior da história do Brasil.
“Foi o maior movimento popular da história do Brasil até hoje e de cunho nitidamente revolucionário, pois contemplou três características, envolvimento popular, violência política e um novo projeto político”, disse.
Com o passar do tempo, a memória da Cabanagem foi perdendo força e espaço no meio popular e acadêmico. Segundo o historiador José Alves, a recuperação da memória do movimento ocorreu entre os anos de 1996 e 2000.
“No inicio do século XIX, a exploração e as opressões que violentavam as comunidades indígenas, negros e pobres fizeram com que o povo cabano buscasse a revolução no Grão-Pará. O nosso povo acreditou na sua capacidade de organizar e lutar, e na possibilidade de construir dias melhores”, ressalta o prefeito de Belém, Edmilson Rodrigues.
Vários espaços urbanos de Belém revivem o Movimento da Cabanagem. Um dos mais conhecidos é o Memorial da Cabanagem, localizado no entroncamento, e produzido pelo arquiteto Oscar Niemeyer.
Mas outros pontos da cidade também relembram a revolução, como a praça Batista Campos, nome de um dos presidentes cabanos, as ruas dos 48 e 13 Maio, que lembram datas marcantes, envolvendo o movimento, e a igreja das Mercês.
“Têm algumas marcas na cidade que lembram a Cabanagem, são coisas muito soltas e que muitas pessoas não conhecem a história”, diz a professora e historiadora Edilza Fontes.
História
A Cabanagem foi uma revolução popular que ocorreu na Província do Grão-Pará (atual Estado do Pará) – formada pelos menos abastados da área urbana, membros da elite local e por pessoas que moravam em cabanas à beira dos rios, conhecidas como cabanos ou ribeirinhos.
O movimento foi motivado pelo abandono social por parte do Governo Regencial (1831–1840), que levou o povo à pobreza e falta de emprego. Até a elite local estava descontente com o Governo, e todos queriam a independência da região.
Segundo Luís Balkar Sá Peixoto Pinheiro, professor titular na Universidade Federal do Amazonas e autor de “Visões da Cabanagem: Uma revolta popular e suas representações na historiografia” (Manaus, Ed. Valer, 2019), estimativas de época apontam que a repressão à Cabanagem respondeu por cerca de 2/3 do total de 40.000 mortos no conflito.
Ele informa que a cronologia da Cabanagem é difícil de se estabelecer com precisão, em especial por ser ela a culminância de um complexo quadro de tensões e insurgências que no Grão-Pará ia se avolumando desde, pelo menos, o processo de Independência.
Seu período de maior radicalidade, no entanto, ocorre a partir de 7 de janeiro de 1835 – quando facções rebeldes lideradas por Félix Malcher invadem a cidade de Belém, matam as principais autoridades e se apropriam do governo – até 13 de maio de 1836, quando ocorre a retomada da cidade pelas forças locais enviadas pela Regência.
Nesse percurso, ocorreram três governos cabanos, sendo o primeiro de Malcher, seguido pelo de Francisco Vinagre e, por fim o de Eduardo Angelim. Perdida Belém, diversos grupos rebeldes continuaram a atuar no interior da vasta província, ocupando de forma efêmera diversas vilas e freguesias, pelo menos até 1840.
Complexa e multifacetada, a revolta articulou, em janeiro de 1835, dois movimentos de tensões que há anos vinham se delineando na Província do Grão-Pará, sendo o primeiro deles uma oposição entre segmentos da cúpula oligárquica. Seu principal ator foram proprietários e fazendeiros nacionais, em expansão cada vez maior desde o final do século XVIII.
Embora enriquecido com a exploração da terra e das chamadas drogas do sertão (produtos extrativos da floresta, como salsaparrilha, anil, canela, urucum, cravo, baunilha e cacau selvagem), sua consolidação como elite esbarrava na reação imposta pelo segmento comercial exportador, de origem portuguesa.
Desde a Revolução Liberal do Porto, em 1820, as manifestações contra a dominação portuguesa se agudizaram por todo o País e alcançaram o Grão-Pará, então administrado por uma junta composta por comerciantes portugueses e, portanto, refratária aos interesses do segmento agrário, no qual pontificavam droguistas, proprietários e lavradores “nacionais”.
O segundo movimento de tensão, bem mais amplo e longevo, tinha como atores os segmentos populares que, de longa dada, organizavam revoltas e insurreições cada vez mais frequentes e com maior radicalidade, sendo uma das mais destacadas a ocorrida em 1832 na Vila da Barra do Rio Negro (Manaus).
O povo enfrentava a crueldade trabalhista dos portugueses, além do recrutamento militar que, na prática, obrigava outras modalidades de trabalho compulsório, mascarando, desta forma, a escravização da população pobre.
A violência do recrutamento militar e os maus-tratos aos recrutas foram, inclusive, o mote para a insurreição de 1832 em Manaus. Oriunda de um motim da tropa, o movimento, alcançando os populares, logo se transformou em insurreição aberta de grandes proporções que culminou com o assassinato das duas maiores autoridades (civil e militar) da Comarca do Alto Amazonas.
A massa pobre composta principalmente de índios, tapuios e mamelucos se insurgiu contra o recrutamento militar forçado e seus agentes. Em conjunto, reivindicavam o acesso à terra e o direito de dela tirar sua subsistência.
O movimento foi massacrado pelas forças de uma Regência como exemplo para outras províncias periféricas insatisfeitas com o arranjo político que produziu o Brasil independente. Ensanguentado e destruído, o Grão-Pará voltaria a trilhar o caminho da ordem.
O perigo de outra sublevação popular, no entanto, jamais desapareceria. De dentro da Corveta Defensora, o navio prisão fundeado em Belém e para onde foram mandados milhares de cabanos, o rebelde Pedro Fernandes de Souza – segundo consta no códice 1130 do Arquivo Público do Estado do Pará – vaticinava que o “tempo cabanal há de tornar” e que essa “… outra Cabanagem … será muito pior que a passada”.
Indicações de leitura
“As mulheres na Cabanagem: presença feminina no Pará insurreto”, de Eliana Ramos;
“O negro na Formação da Sociedade Paraense”, de Vicente Salles;
“Rebelião na Amazônia: Cabanagem, raça e cultura popular no Norte do Brasil”, de Mark Harris e
“Bernardo de Sena – negro, cabano e “prefeito”, de Patrícia Sampaio.
Texto: Agência Belém e Luís Balkar Sá Peixoto Pinheiro