Como consumidor diário de açaí, o agricultor Edson Sebastião Cardoso, de 82 anos, resolveu plantar as próprias palmeiras há alguns anos em sua propriedade para não precisar mais comprar de sítios vizinhos.
Sua terra de 50 hectares, na Vila Seca, Comunidade Sagrada Coração de Jesus, município de São Miguel do Guamá, na zona guajarina, é atendida pelo escritório local da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Estado do Pará (Emater). É lá que o patriarca criou os três filhos. Crescendo, casando e tomando rumo, a prole assumiu lotes ali mesmo, dentro do terreno original, o Sítio Cardoso.
“Um dia, nosso pai olhou pro céu e sonhou que era possível plantar o açaí pra encher a barriga. Outro dia também olhei pro céu e sonhei que era possível plantar mais açaí, pra produzir em quantidade e qualidade suficientes pra comercializar”, conta Edinei Cardoso, 34.
O filho conta que a alegria hoje é olhar não mais para o céu, agora para a terra, e perceber que tudo neste momento não é mais só sonho: é realidade.
Em cerca de oito hectares, Edinei e a mulher Regiane Guedes, de 28 anos, já trabalham sobre mais de mil pés de açaí, com os quais pretendem consorciar mil pés de cacau em fevereiro.
A família mantém, ainda, áreas de banana, mandioca, milho e pimenta, além de duas vacas leiteiras e três canteiros de cheiro-verde orgânico.
“Colho por volta de cem maços por semana e vendo tudinho. O pessoal vem buscar aqui em casa pra revender nas feiras por perto e até em feiras de Belém [capital]”, detalha Regiane.
O casal tem duas filhas: Bárbara, 8, e Cynthia, de 2 meses.
A mulher diz que o feminismo no campo é amamentar e gerar renda, liderar as decisões do lar lado a lado com o marido, observar as filhas e acarinhar a conclusão de que as chances delas serão imensamente mais generosas: “Poderão estudar e continuar agricultoras, com mais conforto, mais saúde”, confia.
Consórcio
Em 22 de dezembro, Edinei e o irmão Elielson, 42, participaram de um intercâmbio técnico promovido pela Emater e parceiros para troca de conhecimentos.
Doze produtores de quatro comunidades de São Miguel do Guamá viajaram para o município limítrofe de Santa Maria para conhecer uma experiência bem-sucedida de plantio consorciado de açaí e cacau.
As famílias das comunidades Ladeira, Santo Antônio, Sete de Setembro e Suassuy visitaram os 25 hectares do Sítio Bem-Aventurado, na Vila Anapolina, onde Antônio Valdecy da Silva, 56, e os filhos, André da Silva, 33, e Andreza da Silva, 30, cultivam açaí e cacau, sob um complexo consorciado e irrigado. Ademais, a propriedade se constitui de 22 placas de energia solar e de lavouras de cupuaçu e pimenta-do-reino.
O mais atrativo é uma variedade de açaí com precocidade especial. Oriunda do município de Moju e introduzida por acaso por Valdecy, a variedade chega a frutificar um ano antes do que a variedade tradicional na região, sem tratos exigentes.
“A gente considera que está num bom patamar, sim, tanto que recebe muitos agricultores, muitas pessoas vêm entender nossas estratégias, só que achamos que a Emater pode contribuir em vários quesitos, como análise de solo, crédito rural, prospecção de mercados. É um apoio válido”, avalia André.
De acordo com o chefe do escritório local da Emater em São Miguel, o técnico em agropecuária Odiwaldo Portela, o entrosamento entre diferentes agricultores de diferentes municípios, porém com perspectivas de cultura e tecnologia semelhantes, costuma repercutir com bastante vantagem para ambos os lados:
“Aí são de verdade networking e reciprocidade. Todos se comunicam e aprendem. É uma oportunidade in loco de perceber o que está dando certo em cenários parecidos. A questão de novas variedades de açaí é um dos pontos, porque transforma escalada de produção”, avalia Portela.
Útil e Agradável
Para Edinei, o intercâmbio foi “proveitoso”.
“A gente sai do nosso lugar é pra saber que tem muitos na luta: vimos que dá pra reproduzir ferramentas e mecanismos. É o caso do espaçamento entre açaí e cacau e das mudas de novas variedades”, diz.
Quanto à nova variedade, a Emater está multiplicando em dois viveiros comunitários e distribuirá 19 mil mudas em fevereiro.
“A ideia é aliar vivência e novidade. O caminho da agricultura familiar não é negar raízes, nem modernidade; pelo contrário. É valorizar toda a tradição, abraçando o que vier de evolutivo, para referendar cada vez mais produtividade e qualidade de vida”, completa Portela.
Fonte: Emater-PA, Aline Miranda