Apesar de quase 90% da extração de madeira na Amazônia Legal ser feita de forma ilegal, conforme já atestaram a Polícia Federal e o Ministério Público Federal, os 10% comercializados dentro da legalidade servem de exemplo para o Pará, o Brasil e o mundo de como o manejo florestal é a via mais responsável para o setor do ponto de vista jurídico, econômico, social e ambiental.
Prova disso é o projeto que a BVRio desenvolve com extrativistas da Cooperativa Mista da Flona Tapajós (COOMFLONA), no Pará, desde 2017. Trata-se da iniciativa Design & Madeira Sustentável, em que designers de todas as partes do País trabalham com artesãos da movelaria comunitária Anambé, em Belterra, com madeira extraída de forma sustentável. O projeto leva designers renomados até a comunidade, oferece treinamento aos artesãos locais e conecta os empreendedores da Amazônia ao mercado. Nesses cinco anos de vida, o projeto já produziu 9 mil peças com os artesãos da COOMFLONA, sem nenhum intermediário.
Todos os produtos são certificados pelo Forest Stewardship Council (Conselho de Manejo Florestal), uma organização independente, não governamental, sem fins lucrativos, criada no início da década de 1990 com o intuito de contribuir para a promoção do manejo florestal responsável ao redor do mundo. O FSC tem sede em Bonn, na Alemanha, e está presente em mais de 70 países.
Para se ter uma ideia da projeção da iniciativa da BVRio, dois móveis produzidos com madeira sustentável da COOMFLONA foram já exibidos na renomada Semana de Design de Milão, na Itália, em 2019. Aqui no Brasil, a produção da Movelaria Anambé desenvolvida a partir das criações dos designers do projeto da BVRio foi exibida na Made, feira internacional de design colecionável realizada no Pavilhão da Bienal do Ibiraquera, em São Paulo, no mesmo ano.
O DNA dos artesãos da COOMFLONA também esteve presente na Copa Verde 2021, realizada pela Confederação Brasileira de Futebol (CBF) com equipes das regiões Norte e Centro-Oeste, do Distrito Federal e do Espírito Santo, em defesa do meio ambiente. Os troféus dos vencedores foram produzidos pelos artesãos da Movelaria Anambé e idealizados pelos designers Guido Guedes e Alessandra Delgado, integrantes do projeto da BVRio.
Em conversa com o Pará Terra Boa na segunda-feira, 24/01, Renato Castro Santos, gerente de designer e madeira do Instituto BVRio, reforçou a importância de levar o conhecimento técnico ao artesão amazônico, da conexão feita entre compradores e a movelaria comunitária, da criação de mecanismos de mercado para melhorar o cumprimento da legislação ambiental e da extração sustentável de madeira na Amazônia. Mas o que enchem os olhos de Renato é ver um artesão exibir seus certificados de conclusão de curso oferecido pela BVRio.
“A cada treinamento, no final, levávamos os diplomas, com o nome do artesão, e os entregávamos a cada um dos participantes. Em um deles, tivemos a participação de 32 pessoas. No sexto ou sétimo workshop, um dos artesão veio do meu lado e falou: ‘Olha, nunca estudei, Renato, não sou analfabeto, mas tenho conhecimento. O meu filho tem diploma do ginásio, que está na parede de casa. Eu agora tenho 6 diplomas na parede’. O que estou fazendo aqui é muito maior do que eu imagino”, celebra.
Renato contou que o primeiro designer levado à Movelaria Anambé, em Belterra, saiu de lá com 300 peças comercializadas. “A gente catalisou os mundos”, resume o gerente.
“Quando os designers chegaram lá, viram espécies de árvores que nunca tinham visto antes em 40 anos de profissão”, diz o gerente, citando algumas variedades que hoje são mais comercializadas em movelaria, como o jatobá, ipê, cumarú e a muiracatiara.
Manejo florestal
O manejo florestal é essencial para que essas espécies hoje mais comercializadas não tenham o fúnebre destino do mogno e do jacarandá, que viraram lenda no Brasil por causa da exploração predatória. A legislação federal atual, regida pela Instrução Normativa nº 05/2006, do Ministério do Meio Ambiente, recomenda que a taxa de corte para toda a Amazônia, na falta de índices técnicos por espécie, seja de 30 metros cúbicos por hectare a cada 35 anos (ciclo de corte), e diâmetro mínimo de corte (DCM) de 50 centímetros.
A Embrapa tem estudos já publicados com mostras de que adequar a intensidade de exploração, diâmetros e os ciclos de corte às peculiaridades de cada espécie, e não ao volume total de árvores nas áreas manejadas, garante retorno econômico mais rápido ao produtor e mantém o equilíbrio da diversidade da floresta.
“O equilíbrio entre as especies é a maneira mais correta de manter o meio ambiente funcionando porque cada árvore carrega seu pássaro, sua semente… Quando você devasta uma, está interrompendo o ciclo de uma especie, é como uma engrenagem”, acrescenta Renato.
O mesmo entendimento tem o coordenador da Movelaria Anambé, Arimar Feitosa Rodrigues, que comemora o impacto social e econômico do trabalho sustentável na COOMFLONA para as centenas de associados.
“Nossa principal atividade é o manejo florestal comunitário. Existe muito apelo social e econômico, com geração de renda para todos nós. Hoje na Flona, vivem mais ou menos 1.500 famílias. Na COOMFLONA, são 264 cooperados, mas não trabalhamos só com cooperados. No período da safra, chegamos a 350 comunitários. Temos também trabalho com empresas terceirizadas. No total, são umas 600 pessoas impactadas e treinadas sobre a importância de usar a madeira de forma responsável. O projeto nos ajudou muito a levar o nosso conhecimento para fora do País.”, comemora.
Ferramenta contra ilegalidade
A BVRio desenvolveu um sistema de due dilligence para verificar o risco de ilegalidade de produtos de madeira. A ferramenta analisa a cadeia de produção e comercialização de peças e lotes de madeira, aplicando ferramentas de big data e inteligência de máquina, apoiando o comprador na análise de documentos de forma rápida e prática.
O sistema de Due Diligence da BVRio faz uma série de verificações, por meio do cruzamento de dados federais e estaduais, imagens de satélite e análises estatísticas, que sugerem se há ou não irregularidades na cadeia específica do lote de madeira adquirido. O resultado é um relatório customizado, identificando e classificando potenciais riscos envolvidos em cada operação em toda a cadeia de produção. Desta forma, facilita a tomada de decisão por parte do comprador da madeira antes dos trâmites de entrada do produto em outros países ou da distribuição no mercado doméstico.
Atualmente, o banco de dados da BVRio possui mais de 10 mil autorizações de exploração florestal (AUTEX e AUTEFs) cadastradas. A partir destas informações, foram elaborados modelos para calcular a volumetria média dos principais tipos de madeira, de acordo com as normas legais e observadas para áreas autorizadas nos manejos florestais.
O sistema está disponível por meio do aplicativo “Madeira Legal” na Apple Store para usuários IOS. Para saber mais sobre a Plataforma de Madeira Responsável e sobre os serviços de Due Dilligence, o usuário pode enviar e-mail para info@bvrio.org.
Para saber mais sobre os trabalhos da COOMFLONA, siga nas redes sociais o perfil @coomflona.