Um dos principais mercados compradores de carne produzida no Pará, a China anunciou na quarta-feira, 26/01, que vai incluir a chamada “carne cultivada”, feita em laboratório, em seu plano agrícola de cinco anos. A informação, divulgada pela revista norte-americana “Time” na quinta-feira, 27/01, ocorre no momento em que o país asiático diversifica seus fornecedores de carne, especialmente dos Estados Unidos, e é cobrada por parceiros internacionais a tomar medidas mais fortes para reduzir sua responsabilidade com o aquecimento global, uma vez que a pecuária é responsável por 14,5% das emissões de gases de efeito estufa (GEE), de acordo com a ONU.
Embora o agronegócio tenha pressionado recentemente o Bradesco por ter divulgado uma campanha pela redução do consumo de carne, levando o banco a retirar a peça publicitária de suas redes sociais, o movimento nas principais economias globais é a favor dessa redução.
Segundo a publicação semanal, a China também tenta diversificar sua cadeia alimentar com produtos que ela mesma possa produzir, diminuindo a dependência externa. O país asiático alega ainda que é preciso garantir a segurança alimentar dos chineses, principalmente após os surtos de peste suína africana de 2019 e 2020 que viram a produção doméstica de carne suína despencar na China.
A pecuária chinesa também foi responsável por quase 29% das emissões diretas e indiretas de GEE da agricultura do país em 2014, o último ano para o qual os números oficiais estão disponíveis.
O Painel Internacional sobre Mudanças Climáticas da ONU tem cobrado uma redução no consumo global de carne para ajudar a reduzir os gases que aquecem o clima. No entanto, a demanda global por carne deve quase dobrar até 2050, de acordo com o World Resources Institute, particularmente em países com uma classe média crescente, como a China. O consumo de carne per capita triplicou desde o final da década de 1980 na China e hoje o país consome 28% da carne do mundo, incluindo metade de toda a carne suína. É o que conta a “Time”.
“À medida que o mundo enfrenta os desafios duplos da demanda de proteína disparada e da diminuição dos recursos naturais, uma rápida mudança para carnes vegetais e cultivadas é um elemento crítico de como aumentamos a segurança alimentar, mitigamos a degradação ambiental e aliviamos a pobreza global”, diz Mirte Gosker, diretora-gerente interina na Ásia da organização de promoção de carne alternativa Good Food Institute. “Ao incluir tecnologias alimentares revolucionárias, como a carne cultivada, os líderes nacionais [da China] estão dizendo publicamente o que outros ao redor do mundo esperavam há muito tempo: que a China pretende se empenhar na construção do futuro dos alimentos”.
O que é carne cultivada?
Mas o que vem a ser essa carne de laboratório? Carne cultivada, carne de laboratório ou carne artificial é a carne produzida em laboratório por meio de técnicas de bioengenharia – ou seja, sem abate. Ela é produzida a partir de células animais, começando com a retirada indolor de uma amostra de tecido muscular de um animal vivo, que é então transformada em massas de células. Amostras de vacas, galinhas, coelhos, patos, camarões e até atuns foram levadas a laboratórios na tentativa de recriar partes de seus corpos sem ter de criar, confinar ou abater os próprios animais.
Essa ideia de carne de laboratório tomou corpo em 2013, quando Mark Post, professor da Universidade de Maastricht, apresentou o primeiro “hambúrguer de laboratório”, ou seja, produzido a partir de carne cultivada. A experiência, financiada por Sergey Brin, co-fundador do Google, foi resultado de 5 anos de pesquisa e surgiu a partir da reprodução de células-tronco bovinas, cultivadas e alimentadas com nutrientes em laboratório.
A bioengenharia está tão avançada que também é capaz de produzir outros “alimentos do futuro”, como ovos à base de plantas.
Regulamentação
A China ainda não concedeu aprovação regulatória para a venda de carne cultivada (até agora, Cingapura é o único país do mundo que concedeu), mas isso pode mudar em breve à medida que a pressão aumentar para alcançar o plano de cinco anos, diz a revista.
A aprovação do mercado aumentaria o investimento privado em startups locais de carne cultivada, como a Joes Future Food, que já levantou quase US$ 11 milhões para iniciar a produção de carne suína cultivada em laboratório. Enquanto isso, o tamanho do mercado potencial da China pode desencadear investimentos adicionais em marcas globais que já estão crescendo, prevê a “Times”.
“Quando a China se move, especialmente em uma área tão crítica para a economia global quanto a produção de alimentos, o mundo percebe e muitas vezes se move para competir ou fazer parceria”, diz à revista Josh Tetrick, CEO da Eat Just Inc., empresa de tecnologia de alimentos com sede na Califórnia, que já vende ovos à base de plantas na China e frango cultivado em células em Cingapura.
Pecuária no Pará
De acordo com o Anuário Estatístico do Pará 2021 lançado no final do ano passado pela Fundação Amazônia de Amparo a Estudos e Pesquisas (Fapespa), a pecuária paraense é uma das principais atividades econômicas do Estado e, não por acaso, representou uma parcela de R$ 4,1 bilhões (2,6%) do PIB paraense em 2018. É detentora do maior efetivo de rebanho bovino da região Norte e ocupa a 3a posição nacional na escala de produção deste tipo de rebanho.
A bovinocultura no Pará é a terceira maior em termos de efetivo rebanho do país, com pouco mais 22 milhões de cabeças bovinas, atrás apenas do Mato Grosso, com 32,7 milhões, e Goiás, com 23,6 milhões, segundo a PPM/IBGE. Tal colocação ilustra seu atual patamar de produção no âmbito da criação e engorda, permitindo inferir que se trata de uma atividade em franca expansão na economia paraense.
O crescimento da pecuária nacional e paraense nos últimos 10 anos (2011–2020) aponta que o efetivo rebanho do Pará cresceu, em termos proporcionalmente, acima da produção total brasileira. Enquanto o rebanho nacional obteve variação média anual no período de 0,6%, o paraense obteve 2,7%. Exatamente entre 2011 e 2020, o rebanho paraense registrou um crescimento global da ordem de 37,1%.
Destacando exatamente o biênio 2019/2020, contata-se que foram observados crescimentos nos rebanhos de 18 unidades federativas (UF), sendo que, entre aquelas de maior rebanho, o Pará foi a UF que contabilizou o maior patamar de crescimento (6,3%), seguido por Goiás (3,5%) e Mato Grosso (2,3%). Nessa conjuntura, o efetivo bovino paraense reteve o percentual de cerca de 10,2% do rebanho nacional.
Caso Marabá
Outro aspecto importante a se destacar é que Marabá (PA) vem se aproximando de forma arrojada do patamar de produção de Corumbá (MS). Em 2000 este último registrava um rebanho de 1,5 milhão de cabeças contra apenas 195 mil cabeças de bovinos marabaenses, o que significa dizer que, naquele ano, Marabá (PA) detinha apenas 13% do rebanho do município sul-mato-grossense. E em 2020 esse percentual saltou para 72%. Ao se manter tal escala produtiva de ambos os municípios, projeta-se que, em 2022, Marabá (PA) assuma a condição de detentor do 2o maior rebanho do País.
Produção
A produção de carne bovina, suína e de frango é uma das atividades da cadeia da pecuária que mais tem se intensificado nos últimos anos em função da crescente demanda externa e da elevação dos preços domésticos. A partir dos dados da Pesquisa Trimestral de Abate de Animais do IBGE, nota-se que entre 2000 e 2020 a produção de carne no País teve um crescimento de 153%, pois em 2000 foram produzidas 10,3 milhões de toneladas e em 2020 esse volume passou para 26 milhões toneladas.
No Estado do Pará, proporcionalmente, o crescimento foi mais acentuado, uma vez que foram produzidas 235 mil toneladas em 2000 passando a 735 mil toneladas em 2020, o que corresponde a um aumento de 213%.
Ainda sobre o contexto nacional, em 2000 a carne paraense detinha uma parcela de 2% do total da carne produzida no País, e em 2020 ocorreu um leve aumento desta parcela para 3%, puxado significativamente pela carne da espécie bovina.
Fontes: Fapespa e revista “Times”