Você sabia que o mundo se alimenta quase em sua totalidade (90%) de apenas 20 tipos de plantas, embora a estimativa é de que haja 30 mil espécies vegetais com partes comestíveis? E, no segmento das frutas, que tal saber que entre 60 e 70 milhões de toneladas de buriti, o fruto mais rico em caratenoides do mundo, substância que previne câncer, amadurecem no Brasil sem que o destino final seja o estômago do brasileiro?
Os dados da subutilização de plantas e frutas comestíveis apresentados acima são do professor do Instituto Federal do Amazonas (Ifam) em Manaus, o botânico Valdely Kinupp, e do livro “Frutas comestíveis na Amazônia”, do botânico Paulo Bezerra Cavalcante, lançado em 2010, ambos divulgados em recente reportagem pela BBC Brasil.
Essas plantas comestíveis, muitas vezes consideradas “matos” e tratadas com desprezo pelo público, supermercados e restaurantes, são chamadas de Plantas Alimentícias Não Convencionais (PANC). Nosso Pará é um celeiro dessas riquezas alimentícias, que seriam de grande serventia para reduzir o número de famintos no Brasil, assim como os Estados vizinhos amazônicos.
Pensando nisso, o Pará Terra Boa conversou com o pesquisador de hortaliças da Empresa Brasileira de Pesquisa e Agropecuária (Embrapa), Nuno Madeira, para falar do assunto.
“Um bom exemplo das PANCs amazônicas é o jambu. Se você mostrar esta planta para quase toda a população mundial, ela não será identificada. Mas existem vários exemplos no Pará, como no caso da chicória, o cariru, a vinagreira, a erva de jabuti, que é muito consumida na Indonésia e nas Filipinas, também tem a taioba, são muitos os exemplos. Além das frutas, como no caso do uxi, tucumã, cupuaçu, umari, entre outros”, lista o pesquisador da Embrapa.
Madeira lamenta esse cenário de desvalorização das PANCs, que crescem à margem do desconhecimento da maioria da população, mas aponta a gastronomia como meio de popularização dessas plantas, uma vez que a alimentação convencional atual está muito resumida ao consumo de carboidratos e proteínas.
“Uma das maneiras de difundir este conhecimento é por meio da culinária e da gastronomia”, afirma.
Madeira reforça que há PANCs com mais nutrientes do que muitas hortaliças populares. “Neste caso, podem ser citados o caruru e o beldroega”, diz Madeira, incluindo ainda o ora-pro-nóbis amazônico, planta rica em vitamina C que apresenta espécies com 50% de valor proteico, mais do que o espinafre, por exemplo.
A batata-ariá, conhecida como batata paraense, é outro exemplo desse mundo a ser mais explorado e amplamente divulgado. Além de nutritiva, é saborosa. “Lembra muito o gosto de milho verde, uma delícia”, conta Madeira.
Que tal incluir na dieta santa de cada dia outro matinho bem nutritivo e farto na região amazônica chamado peperomia pellucida, também conhecido como erva-de-jabuti? Utilizada pela medicina popular como antimicrobiano, anti-hipertensivo e anti-inflamatório, é amplamente estudada por suas características fitoquímicas e pela presença de flavonoides, taninos e outras substâncias interessantes para produção de fitoterápicos. Quando consumida crua tem sabor intenso, mas também fica deliciosa em refogados como recheio de tortas, panqueca, omeletes, bolinhos de arroz, risotos ou chás. A erva-de-jabuti cresce de forma espontânea em áreas abertas, úmidas e sombreadas. É considerada uma “praga” pelos agricultores, pois se espalha rapidamente pelo solo.
O pesquisador lembra que o ser humano era um ser agrícola, mas que acabou padronizando a alimentação ao longo da história, muito influenciado por culturas estrangeiras.
“Esta realidade é representada pelo fato de que é muito mais fácil encontrar as PANCs nas feiras do que nos supermercados. Ainda vai levar um bom tempo para que ocorra uma mudança nesta realidade”, prevê.
Madeira acrescenta que existem várias possibilidades de preparos para as PANCs. Pratos maravilhosos podem ser feitos.
“Bertalha no bafo com ovos mexidos, caruru refogado, jambu (na caldeirada, tacacá, pato ou tambaqui no tucupi, arroz com jambu), carás com costela ou rabada e creme de inhame”, cita.
Origem do termo PANC
O responsável pela criação do termo PANC é o professor, pesquisador e botânico Valdely Ferreira Kinupp, que o citou em sua dissertação de mestrado em fitotecnia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), de 2007.
Essa nomenclatura é bastante variável, pois uma planta pode ser amplamente consumida no Brasil e ser considerada como PANC em outros países. Esta mesma situação ocorre até mesmo dentro do Brasil, onde algumas plantas são consumidas somente em um único território, como as PANCs da Amazônia, que são pouco conhecidas na Região Sudeste: jambu, uxi, chicória, ora-pro-nóbis amazônico (Pereskia bleo), o espinafre amazônico, entre outros.
Cuidados
Quando se conhece pouco a respeito de uma planta e alguém lhe diz que é comestível, inicialmente, consulte um agrônomo, um biólogo ou outro profissional que conheça muito sobre identificação botânica. O consumo de plantas e cogumelos sem a correta identificação pode causar intoxicações graves ou até levar à morte do indivíduo. Seja prudente, cuide-se e aproveite os sabores com segurança, é o que recomenda o blog A Planta da Vez.
Glossário das PANCs amazônicas mais conhecidas:
Jambu (Acmella oleracea): esta Planta Alimentícia Não Convencional também é conhecida como o agrião do Pará. É muito comum na Região Norte e é bastante utilizada na culinária. Está presente em alguns pratos típicos paraenses, como o tacacá e o pato no tucupi. Conhecida por provocar dormência nos lábios, hoje existem vários produtos feitos à base da planta, como cachaça e afrodisíaco.
Uxi (Endopleura uchi): também conhecido como uchiá ou uxipucú, é uma fruta da região amazônica e é especialmente encontrada na Ilha do Marajó. A consistência é bastante característica e tem um gosto muito peculiar. É uma fruta oleosa e farinhenta. Vários doces podem ser feitos com o uxi e o mais famoso é o creme feito com a polpa da fruta.
Chicória-do-Pará (Eryngium foetidum): pode ser encontrado em toda a região amazônica e é conhecida por muitos nomes: chicória-do-Pará, coentro-do-Pará, chicória, etc. É conhecida por ser folhosa e aromática. Ela pode ser consumida de diversas maneiras: com as folhas podem ser feitos bolinhos empanados e também podem estar presentes na caldeirada de peixe.
Ora-pro-nóbis amazônico (Pereskia bleo): nativa da América Central, é muito cultivada para finalidades ornamentais, medicinais e culinárias. No Brasil, é encontrada com muita frequência na Região Norte. As plantas são consumidas cruas ou refogadas e bebidas em efusões.
Espinafre amazônico (Alternanthera sessilis): é conhecido internacionalmente como brazilian spinach . Mesmo oriundo da região amazônica, tem um amplo cultivo na Austrália e na Nova Zelândia. O espinafre amazônico tem um grande potencial de proteína e pode ser consumido para suprir a demanda proteica.
Taioba (Xanthosoma taioba): neste caso específico, a taioba já pode ser encontrada em todas as regiões do País. Sendo muito comum em hortas caseiras, mas também pode ser encontrada nas margens de pequenos córregos, banhados e brejos. Existem várias receitas com a taioba, como a refogada no alho, em risoto de painço ou em forma de bolinho assado e crocante.
Erva de jabuti (Peperomia pellucida): é uma PANC pertencente à família das piperaceas. Encontrada em países americanos e asiáticos, no Brasil está presente do Amazonas ao Paraná. Utilizada pela medicina popular como antimicrobiano, anti-hipertensivo e anti-inflamatório, é amplamente estudada por suas características fitoquímicas e pela presença de flavonoides, taninos e outras substâncias interessantes para produção de fitoterápicos.
Batata-ariá (Calathea allouia): ainda não é muito conhecida fora da região Norte e Nordeste, onde já é usada como alimento há décadas. Essa PANC tem a sua casca coberta por alguns espinhos, o que, talvez, cause estranheza em utilizá-la como alimento. É rica em vitaminas A e E; vitaminas do complexo B; carboidratos; antioxidantes e outros nutrientes.
Bibliografia recomendada: “Plantas Alimentícias Não Convencionais (PANC) no Brasil”, Ed. Plantarum, de Kinupp, V.F.; Lorenzi, H. 2014.