Historicamente, o desmatamento na Amazônia brasileira representa uma fonte significativa de emissões de gases do efeito estufa, além da enorme perda de biodiversidade, sendo essa uma preocupação global. Mais de 60% das florestas na Amazônia estão localizadas em terras públicas, mas o Brasil há anos tem sido leniente com a apropriação desse patrimônio, que hoje é alvo de organizações criminosas, grileiros, responsáveis por grande parte do desmatamento na maior floresta tropical do planeta.
Um novo estudo do projeto Amazônia 2030 confirma a gravidade da situação: metade do desmatamento que ocorreu nos últimos dois anos, se deu em terra pública, conforme publicada no site do portal na terça-feira, 15/02.
Segundo o trabalho, a taxa de desmatamento não apenas cresceu, mas o perfil de destruição também mudou.
“Se no passado, as derrubadas ilegais ocorriam preferencialmente nos limites de imóveis rurais, estas agora se concentram, majoritariamente, em terras públicas”, afirma Paulo Moutinho, pesquisador do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM) que conduziu o trabalho.
Em 2019, por exemplo, mais de 50% de todo desmatamento esteve concentrado em florestas públicas, atingindo unidades de conservação, terras indígenas e, em especial, nas chamadas “florestas públicas não destinadas”, áreas que cobrem atualmente cerca de 56.5 milhões de hectares, mais de duas vezes o tamanho do estado de São Paulo.
Entre 2019 e 2021, quase 30% do desmatamento anual ocorreu em áreas de floresta pública não destinada.
“Este avanço do desmate em terras públicas tem sido resultado direto da explosão da grilagem na região. É urgente, portanto, que a grilagem em larga escala, que atinge as florestas em terras públicas, seja interrompida imediatamente”, ressalta Paulo Moutinho. “O governo precisa destinar essas áreas como medida para baixar rapidamente as taxas de desmatamento na região”, completa.
Cadastro ambiental rural ainda é gargalo
O Cadastro Ambiental Rural (CAR) representa uma ferramenta importante para a regularização ambiental dos imóveis rurais no País e é uma conquista da sociedade brasileira, pois permite a identificação tanto daqueles detentores de terras regulares, como os irregulares. No entanto, a validação destes CARs continua sendo um gargalo, pois sua ausência acaba ajudando no processo do seu uso pelos invasores de terra pública.
O estudo do IPAM também mostrou que mais da metade do desmatamento até 2020 em áreas de floresta pública não destinada ocorreu em áreas registradas no CAR — cerca de 16 milhões de hectares, dos 56.5 milhões existentes.
Pelo menos 45% desses registros têm mais do que 15 módulos fiscais, o que é um forte indicativo de que eles estão relacionados à grilagem de terras.
“É urgente que os Estados cancelem ou inativem esses CARs declarados sobre terra pública, o que é algo, em boa medida, simples do ponto de vista normativo”, sugere Paulo Moutinho.
O relatório também mostra que 75% das terras públicas griladas e desmatadas são convertidas a pastagens e estas permanecem vários anos como pasto.
“O grileiro, contudo, não produz carne, mas usa o gado como zelador do grilo. Algo que também prejudica o pecuarista sério”, observa Paulo Moutinho. O problema se agrava porque pelo menos 20% das terras públicas griladas são abandonadas depois de desmatadas e griladas.
“A maior parte está em regeneração florestal, mas sem chance de recuperar a floresta que existia anteriormente, pois são florestas secundárias que pegam fogo quase que anualmente”, lamenta.