Por Sidney Alves
Todo paraense de verdade sabe que aqui nós consumimos a melhor farinha de mandioca do Brasil. Agora imaginem poder comer a farinha de mandioca feita na hora e acompanhar todo o processo de fabricação dela e dos seus derivados, como a goma, o tucupi ou a maniva?
Isso agora é possível. Esse turismo gastronômico é realizado na comunidade quilombola de Espírito Santo do Itá, no município de Santa Izabel do Pará, composta atualmente por 55 famílias.
Turista estrangeiro
Além de brasileiros, os europeus são grandes apreciadores do turismo gastronômico desenvolvido pela comunidade.
“Nós recebemos turistas da Dinamarca, em 2019, e eles têm empresas de aguardente. Graças a essa visita, eles compraram seis toneladas de mandioca que foram para lá e se transformaram em aguardente”, disse Sigla Regina ao Pará Terra Boa, nesta quarta-feira, 16/03. Ela é professora aposentada e principal organizadora da comunidade.
Já em janeiro deste ano foi a vez de espanhóis e portugueses ficarem impressionados com a mandioca e seus subprodutos.
“Também recebemos uns turistas da Espanha e Portugal. Eles ficaram impressionados com o todo processo de fabricação da farinha, como também do tucupi e de todos os produtos relacionados com a mandioca”, afirmou.
Instituto Paulo Martins
Sigla lembra o papel fundamental desempenhado pelo Instituto Paulo Martins, que é uma das principais instituições de fomento da gastronomia paraense, com reconhecimento nacional e internacional.
Em 2018, o instituto realizou um evento em Belém, chamado Ver-o-Peso da Cozinha Paraense, com participação de representantes da comunidade quilombola.
“Foi quando nós recebemos os nossos primeiros turistas na comunidade. A Joanna Martins (filha do chef de cozinha Paulo Martins e que dá nome ao instituto) entrou em contato comigo e eu concordei em levá-los para conhecer o processo da farinha. A partir deste momento, nós passamos a receber chefes de cozinha de várias partes do Brasil, do Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais, mas também já recebemos vários do exterior”.
Festival da Mandioca
Um dos grandes eventos no município de Santa Izabel é o Festival da Mandioca, criado pela comunidade Espírito Santo do Itá. Marca a celebração das vendas dos produtos derivados da mandioca produzidos no quilombo. O evento ocorria todos os anos no mês de abril, antes da pandemia do novo coronavírus.
“Porém, não temos há dois anos, devido à pandemia. Estamos nos organizando para realizar nesse ano, caso seja possível, no dia 7 de agosto”, disse Sigla.
O festival cresceu tanto que, em 2018, a Prefeitura declarou como patrimônio cultural e imaterial do município de Santa Izabel.
“Eu criei esse festival em 2013 com a finalidade de valorizar a cultura deles e angariar fundos para a comunidade. O evento também revelou o grande talento das mulheres da comunidade com a culinária. Elas fazem excelentes pratos a partir da mandioca, e isso muito é apreciado pelos visitantes”, disse Sigla.
Curiosidades
A história deste quilombo, assim como sua relação com a mandioca, guarda forte relação com comunidades indígenas, uma vez que o tubérculo sempre foi um dos principais produtos da cadeia alimentar dos índios.
“Os antepassados (dos quilombolas) chegaram aqui trazidos por franceses, desde o final do século XIX e fugiram com a vinda dos portugueses. Estes deixaram os escravos nas terras (atualmente da região do município de Santa Izabel). Os escravos se organizaram em quilombos e outros se espalharam pelas terras de Santa Izabel, formando várias comunidades. A do Espírito Santo do Itá é uma delas, seus antepassados aprenderam o cultivo da mandioca e a produção dos seus derivados com os índios Tembés”, afirmou.
No quilombo, os processos de fabricação da farinha e da goma são completamente artesanais. Eles usam técnicas antigas, mas aos poucos, estão começando a se adaptar a novos tipos de instrumentação para a elaboração dos produtos.
“Eles descascam a mandioca, uma a uma, depois de ralada extraem o tucupi no tipiti, peneiram e torram a farinha no tacho. Algumas casas de farinha do quilombola já estão começando a usar uma prensa pra extrair o tucupi, mas a maioria ainda usa o tipiti”, contou.
Entre os principais produtos que são feitos no quilombo, destacam-se a goma, a farinha, o tucupi e a maniva pré-cozida. Mas também fazem beiju e o pé de moleque.
Os maiores consumidores da comunidade ficam em Santa Izabel, com fornecimento para tapiocarias e restaurantes do município. Ainda não realizam entregas para Belém.
O trabalho realizado pelos quilombolas pode ser acompanhado pelas redes sociais.
“Eu criei uma página no Facebook uma página chamada ‘Amigos do Espírito Santo do Itá’, onde mostro tudo o que acontece na comunidade. Até porque criamos uma rede de amigos e patrocinadores. Já no perfil do Instagram, procuramos mostrar mais coisas da nossa cultura da mandioca. Atualmente estamos trabalhando para a criação do Museu da Mandioca”, adiantou.
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