A realidade da área dos garimpos no Pará sempre foi marcada por ilegalidades, violência e ameaça à saúde de ribeirinhos e indígenas. O site The Intercept Brasil publicou no sábado, 26/03, uma reportagem que aborda esta situação.
De acordo com o site, mensagens publicadas no aplicativo WhatsApp mostram que o presidente do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), Eduardo Fortunato Bim, pressionou o então superintendente do órgão no Estado do Pará com o objetivo de derrubar embargos contra a mineradora Gana Gold.
A mineradora conseguiu extrair mais de R$ 1 bilhão em ouro de uma unidade de conservação federal com licença ambiental irregular. As informações foram compartilhadas por uma fonte anônima e checadas pelo “Intercept Brasil”.
A empresa de mineração foi embargada pelo Ibama no dia 09 de setembro do ano passado, durante a operação Gold Rush, da Polícia Federal. No decorrer da ação policial, cerca de 30 agentes federais cumpriram mandados de busca e apreensão de amostras de ouro na mineradora localizada na região garimpeira Água Branca, em Itaituba, no sudoeste do Pará.
Além disso, os policiais federais analisaram o ouro da mina que tem as mesmas características geológicas de uma carga de 39 kg de ouro ilegal apreendida no aeroporto do município de Jundiaí (SP), no mês anterior. A Polícia Federal prendeu um homem em flagrante por portar uma arma com a numeração raspada.
Corrupção no Ibama?
Precisamente quatro dias depois da realização da operação Gold Rush, o ex-ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles enviou mensagens para o superintendente do Ibama, o policial militar Washington Luís Rodrigues, que chegou ao cargo pelas mãos de Salles.
As primeiras mensagens vinham de Fernando Leme, chefe de gabinete da presidência do Ibama, e que tinham como conteúdo a solicitação de uma audiência com o superintendente. Uma das mensagens foi encaminhada para o advogado da Gana Gold, Arthur Mendonça Vargas Júnior.
O superintendente perguntou o número do processo e respondeu: ‘Não vamos prometer nada, né’. O chefe de gabinete concordou que a audiência seria ‘sem prometer nada’, mas pediu para fazer o que fosse “possível”, e mandou uma cópia da petição apresentada pelo advogado e uma foto do cartão dele.
No outro dia (14/09), a pressão veio diretamente de Eduardo Bim, o presidente do Ibama, que mandou uma foto da petição do advogado da Gana Gold, mesmo documento que havia sido enviado no dia anterior pelo chefe de gabinete.
Além de enviar a foto da petição, o presidente do Ibama escreveu para Washington Rodrigues que era para o superintendente ver “rápido” a situação do processo. O superintendente respondeu que o processo da Gana Gold estava “na Cofis”, a Coordenação de Fiscalização do órgão, em Brasília.
Bim demonstrou irritação: “Pqp”.
Na mesma conversa, Bim enviou dois áudios para Washington: o primeiro perguntando o porquê do processo de embargo ter sido encaminhado para a Cofis; o segundo já é mais direto sobre a intenção do presidente do Ibama.
“Ô Washington, dá um jeito nesse processo aí, cara, porque parece que tem uma licença estadual que foi expedida no dia do embargo. Eles [fiscais do Ibama] contestaram a licença municipal, mas mesmo que a licença municipal não valha, hoje tem a estadual, então fala pro pessoal analisar isso aí rápido”, disse o presidente do Ibama no áudio.
“À primeira vista, não há nada de incomum em um superior hierárquico solicitar algo a um servidor a ele subordinado. Todavia, os atos administrativos, por força constitucional, não podem prescindir de transparência e impessoalidade. Assim, diante do que se apresenta nesse caso concreto, seria importante investigar a observância desses princípios para avaliar se houve, ou não, alguma forma de privilégio e, até mesmo, tráfico de influência”, disse Carolina Santana, doutoranda em Direito Constitucional pela UnB, a Universidade de Brasília, e advogada especialista em causas indígenas e ambientais, para a equipe de reportagem do site.
Sem a licença
Para que a Gana Gold pudesse operar em nível industrial era necessária uma licença que deveria ser emitida pela Secretaria Estadual de Meio Ambiente e Sustentabilidade do Pará (Semas). Além deste documento, também havia uma outra exigência – como a mina fica numa Área de Proteção Ambiental do Tapajós, a secretaria deveria consultar o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), órgão que gerencia e fiscaliza as unidades de conservação no Brasil.
Porém, a empresa durante dois anos operou sem esta licença da Semas, como também sem a autorização do ICMBio. E coincidentemente no dia da operação Gold Rush, realizada em parceria com a Polícia Federal e com Ibama, a coordenadoria regional do município de Itaituba da Semas emitiu uma licença ambiental para a empresa.
Informações anônimas
A mesma fonte anônima que entregou os áudios e chats para a equipe de reportagem do “Intecept” disse também que o ex-superintendente declarou à PF que Bim mencionou em conversa telefônica que “um deputado federal amigo” intercedeu a favor da Gana Gold, que era Joaquim Passarinho, do PSD.
Em setembro de 2019, época em que a prefeitura de Itaituba deu a licença ambiental irregular para a Gana Gold, Passarinho ciceroneou o consultor da mineradora Guilherme Aggens e o secretário municipal de Meio Ambiente de Itaituba, Bruno Rolim, em gabinetes no Planalto, com o então ministro da Casa Civil, deputado Onyx Lorenzoni.
Salles e cia investigados
Tanto o presidente do Ibama quanto o ex-ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles são investigados no Supremo Tribunal Federal, desde junho do ano passado, em um inquérito que apura a possível prática de advocacia administrativa, ou seja, quando um servidor atua a favor de interesses privados perante a administração pública, além de obstrução à fiscalização e embaraço de investigação sobre organização criminosa.
A investigação envolve empresas que exportavam madeira ilegalmente da Amazônia, crime que foi denunciado pelo site Intercept, em março de 2020. Devido a este inquérito, o presidente do Ibama ficou afastado do cargo de presidente da instituição por 90 dias, no ano passado, em decisão do ministro Alexandre de Moraes, do STF.
Em nota, o Ibama não negou para o site os fatos denunciados, apenas citou que a presidência do órgão “pediu celeridade à superintendência estadual”. Na quinta-feira, 24 de março, três dias após a equipe de reportagem do “Intercept” ter pedido um posicionamento do Ibama citando a denúncia de Rodrigues, o governo publicou a exoneração do superintendente do órgão no Pará.
Washington Luís Rodrigues afirmou que prestou depoimento voluntário na Polícia Federal em Belém, em 17 de novembro, e que na ocasião relatou a delegados da PF “informações sobre a conduta do presidente do Ibama, Eduardo Bim, após o embargo da Gana Gold”.
Gana Gold voltou a atuar
Houve pressão de todos os lados para o retorno das atividades da mineradora Gana Gold, tanto nos gabinetes de Brasília, quanto pelos advogados da empresa, que buscaram a Justiça Federal para tentar reverter os embargos aplicados pelo Ibama e pelo ICMBio.
O órgão responsável pela gestão de unidades de conservação embargou a mina em 23 de setembro de 2021, uma semana após o site revelar as falhas grosseiras no licenciamento da mineradora.
Os dois órgãos ambientais federais já emitiram mais de R$ 15 milhões em multas contra a Gana Gold por causa da mina irregular de Itaituba.
Nada disso impediu a empresa de ter vitórias judiciais sobre os dois embargos no mês seguinte. Em outubro de 2021, a juíza Lorena Sousa Costa citou em sua decisão liminar a licença de operação 12.999/2021, concedida pela Semas e suspensa por falha processual no dia 21 do mesmo mês.
Ou seja, quando a juíza suspendeu o embargo da Gana Gold, a licença que ela usou como justificativa para a decisão estava inválida havia 17 dias.
Para a volta da operação, porém, ainda faltava derrubar um segundo embargo, o do ICMBio. A Gana Gold nem precisou esperar muito.
Em 28 de outubro, o juiz federal Domingos Daniel Moutinho decidiu de forma liminar, que a empresa pudesse operar sem licença por um prazo de seis meses.
Assim, a Gana Gold estaria livre para voltar a minerar. Porém, em 6 de dezembro, após recurso do Ibama, o desembargador federal Antônio de Souza Prudente, do TRF-1, reativou um dos embargos.
Ainda assim, entre dezembro e fevereiro, a empresa já informou a produção de quase 100 kg de ouro puro na mina, mais de R$ 30 milhões na cotação atual do metal.
Imagens de satélite de janeiro deste ano mostram que a empresa está em atividade, com escavadeiras e caminhões ao longo da mina.
Além disso, as imagens revelam que a Gana Gold asfaltou em outubro a pista de pouso construída sem permissão da Agência Nacional de Aviação.
A estrutura foi utilizada de forma clandestina por quase dois anos, até ser registrada na agência janeiro deste ano.
Fonte: The Intercept Brasil
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