Por Sidney Alves
Após quilombolas e indígenas do povo Tembé, do território Turé Mariquita, em Acará (PA), ocuparem na quinta-feira passada, 21/04, a sede da empresa Brasil Bio Fuels (BBF), representantes dessas comunidades da região relataram nesta quarta-feira, 27/04, a tensa situação vivida por eles, em coletiva na sede da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) – Norte II.
Segundo Miriam Tembé, presidente da Associação Indígena do Vale do Acará, os povos originários que habitam a área se sentem perseguidos pelos representantes da BBF, maior produtora de óleo de palma da América Latina para produção de biodiesel. Ela conta que a empresa tem usado drones e aviões sobre o território.
“Hoje a situação se encontra de uma forma muito tensa, pois nós lideranças indígenas das nossas comunidades estamos nos sentindo perseguidos, estamos sendo vigiados, somos tratados como se fôssemos criminosos. Porque nós a todo momento, podemos ver os drones e os aviões, vigiando o nosso território a qualquer hora do dia. Não estamos tendo mais sossego na nossa própria casa”.
Conforme Miriam, a ocupação não foi um ato de invasão, já que os Tembé habitam o território muito antes da instalação da BBF na região.
“Nós queremos que seja cumprido o nosso direito de habitar a nossa terra. Nós sabemos quem são os responsáveis por toda esta situação tensa pela qual estamos passando. Nós não invadimos terra de ninguém, nós não invadimos terras de empresas. Nós estamos habitando um território que é nosso”.
Ela ressaltou que o movimento dos representantes dos povos originários (indígenas, quilombolas e ribeirinhos) da região do Acará não tem o objetivo de agredir qualquer funcionário da BBF, mas de garantir a permanência e a sobrevivência deles nesta área.
“Nós não queremos agredir ninguém, não somos contra a nenhum funcionário da empresa. Porém, queremos apenas garantir o direito da nossa sobrevivência na região que é garantido por lei”.
‘Forma miliciana’
Além da vigilância, outro problema relatado na coletiva foi a intimidação da segurança privada da BBF, que, segundo o presidente da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-PA), José Maria Vieira, restringe o direito e ir e vir dos habitantes de Acará.
“Nenhuma empresa tem este direito de impedir o direito de ir e vir de qualquer cidadão. A privatização da segurança pública não pode ocorrer e isto acaba resultando em situações difíceis de serem revertidas”, afirmou José Maria Vieira.
O Ministério Público do Pará, no dia 16/03, enviou para a BBF uma recomendação para a adoção de medidas que não criem obstáculos ou restrinjam o tráfego dos comunitários, indígenas e quilombolas do Vale do Acará pelas vias ligadas à BBF que fazem ligação com as sedes das cidades de Tomé-Açú e Acará.
“Nós vemos esta situação com muita preocupação. No documento está descrito como a empresa se coloca dona do lugar. Este método favorece a criação e a naturalização de uma forma miliciana de se ver a segurança pública. Nós não vamos tolerar este tipo de situação”, afirmou José Maria Vieira.
Agrotóxicos
Segundo Miriam Tembé, são mais de 20 comunidades indígenas impactadas pela poluição causada por fazendas que estão localizadas ao redor dos povos. A BBF estaria poluindo igarapés com agrotóxicos utilizados na produção do dendê.
“As nossas lutas são apenas em defesa das nossas terras, dos nossos rios e dos nossos igarapés. Antes nós tínhamos igarapés e rios que podíamos tomar banho, beber as suas águas, pescar. Atualmente, não podemos mais fazer isto, porque está tudo contaminado pelos venenos que a empresa aplica na produção do dendê e que acaba escorrendo para os nossos igarapés”.
Ela também apontou impacto desses agrotóxicos na saúde das crianças das comunidades locais, bem como nas hortas.
“As nascentes dos rios estão todas devastadas. As nossas crianças, quando vão tomar banhos nos rios, acabam voltando com doenças de pele. Então, nós sentimos tudo isto diretamente. Sem contar os mais variados tipos de insetos que afetam as nossas comunidades. As nossas hortas estão todas destruídas por causas destes insetos. Não podemos plantar mamão, na verdade, não podemos plantar nada, porque será destruído”, contou Miriam Tembé.
Promotoria
De acordo com o promotor de Justiça de Acará, Emério Mendes Costa, em entrevista ao site Amazônia Real, “o conflito coletivo pela posse da terra se instalou em razão da existência de suspeitas de fraudes registrais de documentos referentes à área [ocupada pela empresa] e também irregularidades nos licenciamentos ambientais de monocultura de dendê, que gera poluição, atingindo principalmente os recursos hídricos”.
Outro lado
O Pará Terra Boa fez contato com a empresa, mas ainda não obteve retorno. Assim que houver manifestação da BBF, este texto será atualizado.
A BBF enviou uma nota, no entanto, ao site Amazônia Real em que afirma: “sete caminhões da empresa com carga de dendê foram furtados da fazenda Eikawa, que pertence à BBF, em Tomé Açu” e que a sede da empresa teria sido “invadida por 50 pessoas encapuzadas que intimidaram os trabalhadores atirando para todos os lados e causando pânico entre os colaboradores”.