Produzir sem agredir a floresta é o sonho de muitos agricultores que vivem na Amazônia, mas no oeste do Pará esse é um desejo cada vez mais difícil devido ao avanço do agronegócio que ameaça também os pequenos produtores rurais. No município de Mojuí dos Campos, a agricultora Selma Ferreira, de 55 anos, já viu suas plantações virarem cinzas por causa do fogo gerado nas grandes propriedades.
Em meio aos conflitos territoriais com fazendeiros e aos riscos de insegurança alimentar por causa da destruição dos cultivos tradicionais, Selma e outras cerca de 100 mulheres criaram a Associação de Mulheres Trabalhadoras Rurais de Belterra (Amabela), que atua para enfrentar problemas como o desmatamento, a grilagem e as queimadas promovendo práticas mais sustentáveis em toda a região do Baixo Tapajós.
Uma das principais alternativas são os sistemas agroflorestais ou agroecologia, em que a produção de alimentos ocorre em áreas com diversidade de espécies e conservação da floresta em pé, bem diferente das práticas comuns nos cultivos de soja e milho, onde além da destruição da floresta predomina o uso de agrotóxicos e outras substâncias nocivas à saúde humana e ao meio ambiente. É nesse sistema que elas produzem o cupuaçu e o cupulate que inspirou os produtos do chocolatier César de Mendes.
“A gente trabalhou muito nesse contexto de queimadas, de derrubadas [de árvores], para poder fazer nossas roças. Era nossa sobrevivência. Mas com a chegada da agroecologia, a gente viu que dava de trabalhar diferente”, disse a agricultora à Folha de São Paulo.
Apesar das vantagens do sistema, as integrantes da Amabala dizem que enfrentaram desafios. De um lado, nas próprias casas, quando os maridos rejeitaram a princípio a ideia de evitar a utilização de fogo na abertura de áreas para plantio. De outro lado, está o desafio permanente de lidar com os grandes fazendeiros e seu modo de produção.
A agricultora Ironildes Santos relata que, por exemplo, em razão dessa diferença já acabou sendo vítima de queimaduras no rosto, tórax e braços por causa de queimadas que tinham começado em propriedades vizinhas maiores.
Além disso, elas contam que sofrem pressão e perseguições por chamar o serviço do Prevfogo para enfrentar as queimadas na região. Mas, para elas, o pior é ver as mudanças na comunidade com a migração dos jovens para cidades maiores em busca de melhores oportunidades de trabalho, já que a degradação também prejudica a atividade econômica tradicional.
“Quando queima a floresta, quando não tem animal, quando não tem como viver aqui, os filhos vão embora para trabalhar, mandar dinheiro e ajudar os pais, mas a saudade fica, né? Eu digo que a pior coisa não é ficar sem água, sem luz ou sem estrada. O pior é não ter os filhos perto”, lamenta Ironildes Santos.