Por Sarah Schmidt, da Revista Pesquisa FAPESP
A Amazon Oil, empresa de Ananindeua, no Pará, espera lançar nos próximos meses um sabonete com óleo de castanha-do-pará (Bertholletia excelsa) e andiroba (Carapa guianensis Aubl.) enriquecido com fibras que envolvem as sementes de açaí (Euterpe precatoria).
Testes em fase final de conclusão realizados pela empresa mostraram que os caroços – que contêm a semente e as fibras – têm boa capacidade para agir como esfoliante para a pele, um uso, por sinal, já explorado pela Beraca Ingredientes Naturais, do grupo norte-americano Clariant, sediada na capital paulista. Desde 2021, a Natura produz dois cremes hidratantes, um para o rosto e outro para as mãos, com um extrato bioativo retirado do caroço do açaí.
Os cosméticos com substâncias extraídas do caroço de açaí são apenas as formas mais recentes de aproveitar um material abundante. De acordo com nota técnica do Centro de Tecnologia das Indústrias Química e Têxtil do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai-Cetiqt), de uma produção estimada em 2019 em 1,6 milhão de toneladas (t), cerca de 60%, o equivalente a 900 mil t, foi descartada pelos produtores, geralmente pequenos, e se acumula em calçadas e lixões de cidades como Belém e Manaus. As sementes, também chamadas de caroços, representam cerca de 70% da massa do pequeno fruto amazônico de cor púrpura.
As propriedades dos resíduos do açaí, que fundamentam seus novos usos, tornam-se mais evidentes, em parte como resultado de estudos de universidades e centros de pesquisa feitos nos últimos 20 anos – uma das possibilidades é a produção de polímeros para próteses cranianas, apresentada em 2012 por pesquisadores da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
“Por ser curta, a fibra do caroço não precisa de processamento para ser incorporada ao sabonete e consegue remover as células antigas da pele”, diz o diretor de negócios da Amazon Oil, Klaus Gutjahr, que acompanha os testes do Departamento de Química, iniciados em 2021. “O extrato da semente de açaí, em sinergia com o óleo da polpa, contribui para neutralizar os radicais livres [resíduos celulares]”, observa a líder global de pesquisa e desenvolvimento (P&D) da Natura, Roseli Mello.
“De 100 gramas (g) do caroço, é possível extrair 45% de celulose pura, do tipo I, semelhante à produzida a partir das madeiras de pinus e eucalipto”, diz a engenheira de produção Silma de Sá Barros, da Escola de Engenharia de Lorena da Universidade de São Paulo (EEL-USP), primeira autora de um artigo detalhando essas propriedades publicado em junho de 2021 na revista Research, Society and Development.
Em seu doutorado, ela desenvolve compostos poliméricos com resíduos da agroindústria. Em parceria com o Centro de Biotecnologia da Amazônia (CBA), em Manaus, ela trabalha em um projeto encomendado por uma empresa, cujo nome não pode ser divulgado por razões contratuais: o desenvolvimento de caixas de papelão com celulose de sementes de açaí recolhidas das ruas, limpas e moídas.
“Como há resíduos descartados durante quase todo o ano, não falta matéria-prima”, observa, ao perseguir novos usos para as sementes, que, ela se recorda, seu avô replantava no quintal da casa onde moravam, no interior do Amazonas. Testes preliminares de outro estudo da equipe do CBA e da EEL-USP indicaram que o caroço moído poderia ser usado diretamente na produção de compostos poliméricos.
Os caroços já são usados comercialmente como combustível para a geração de energia renovável, como fertilizante, e, em pequena escala, para a produção artesanal de pulseiras, brincos e colares. Também poderão ganhar outros usos, como na produção de celulose para papel e de plástico biodegradável, assim como para conservante de alimentos, de acordo com algumas possibilidades aventadas por pesquisas recentes.
Na Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da USP, em Piracicaba, a cientista de alimentos Priscilla Siqueira Melo purificou um extrato da semente seca e moída de açaí com potencial para ser usado como antioxidante natural em alimentos e em cosméticos. Em um artigo de março de 2021 na revista Industrial Crops & Products, ela descreve um método de baixo custo para a extração: “Conseguimos trabalhar em temperatura ambiente, de 25 graus Celsius [ºC], com possibilidade de recuperação do etanol usado na solução”, diz a pesquisadora. “O material que sobra da extração poderia ser usado como fonte de fibras em alimentos processados.”