Por Betina Blochtein
O comércio de colmeias de abelhas sem ferrão é algo comum na meliponicultura brasileira. Em praticamente todas as regiões do país se encontram pessoas vendendo ou comprando várias espécies de abelhas-sem-ferrão. Acreditava-se que a maior parte desse comércio se concentrava em escalas regionais e com espécies nativas da localidade.
Contudo, uma pesquisa descobriu que boa parte desse comércio, na verdade, ocorre em escala nacional. Embora não haja restrições para isso quando se trata de espécies nativas saindo de um meliponário e indo para outra localidade, a coisa muda de cenário quando se trata dessas mesmas espécies saindo de um meliponário, mas sendo requisitadas em um local fora de sua área de distribuição natural. O presente trabalho constatou isso para oito de nove espécies avaliadas.
Isso é parte de fenômeno ainda pior, ou seja, algumas espécies estão sendo criadas e manejadas fora de seu hábitat natural e comercializadas para outras áreas onde elas não ocorrem naturalmente. Por exemplo, foi observado que a uruçú-nordestina (Melipona scutellaris) que é nativa no Nordeste brasileiro, é criada e vendida em Minas Gerais, além de ser comercializada para outros Estados, como São Paulo, Paraná e Rio de Janeiro. O mesmo padrão também foi encontrado para espécies amazônicas como uruçú-amarela (Melipona flavolineata) e uruçú-boca-de-renda (Melipona seminigra).
Embora isso possa ser lucrativo para quem comercializa, e despertar interesse de colecionadores, as abelhas são as que mais sofrem, pois o estudo demonstrou que geralmente as variáveis climáticas nas áreas de criação e de destino de muitas dessas espécies diferem drasticamente dos seus locais naturais.
Muitos meliponicultores alegam que a intenção é de ajudar na conservação dessas espécies. Contudo, outro achado do estudo demonstra que muitas dessas espécies (exóticas) estão sendo introduzidas em regiões onde, logicamente, já existem outras espécies nativas de abelhas sem ferrão, e ameaçadas de extinção seja em escala nacional ou escala estadual.
Por exemplo, ao mesmo tempo que as espécies amazônicas, mencionadas acima, eram criadas e solicitadas em regiões do Centro-Oeste e do Sudeste, nessas mesmas localidades outra uruçu-amarela (Melipona rufiventris) está na lista vermelha da fauna ameaçada de extinção. Igualmente, a mandaçaia (Melipona quadrifasciata) está em uma lista similar, mas estadual, no Rio Grande do Sul. Entretanto, foi constatado que aquelas espécies amazônicas, além da M. rufiventris, foram solicitadas no Rio Grande do Sul.
Desse modo, esse amplo comércio (criação, compra, venda) de abelhas sem ferrão quando ocorre fora da área de ocorrência natural dessas espécies tem dois efeitos ecológicos que não estão sendo considerados por quem pratica essa atividade.
- Enquanto as abelhas instaladas em uma área não-nativa sofrerão com as novas condições ambientais, as áreas que estão recebendo essas espécies exóticas sofrerão ainda mais pressão por forrageamento (florações que fornecem néctar e pólen) e, eventualmente, locais de nidificação (principalmente ocos de árvores), ou seja, aumentará a competição por comida e locais que sirvam de abrigo entre espécies que nunca haviam coexistido antes de forma natural. Tais encontros entre abelhas nativas e exóticas podem representar ainda maior risco pela transferência de novos patógenos e parasitas.
- Em última análise, querer conservar espécies de abelhas-sem-ferrão introduzindo-as em novos locais parece não ser a melhor atitude porque, ao fazer isso em um novo ambiente, as populações nativas vão certamente sofrer com a adição de mais uma espécie que lutará pelos mesmos recursos alimentares. Logo, a melhor forma da meliponicultura ser vista como uma atividade econômica que gera benefícios para a conservação ambiental desses insetos é cria-los e comercializá-los dentro da área de distribuição natural deles.
O estudo The widespread trade in stingless beehives may introduce
them into novel places and could threaten species, dos autores Charles Fernando dos Santos, André Luis Acosta, Rosana Halinski, Patrick Douglas Souza-Santos, Rafael Cabral Borges, Tereza Cristina Gianinni e Betina Blochtein está disponível emhttps://besjournals.onlinelibrary.wiley.com/doi/abs/10.1111/1365-2664.14108
Betina Blochtein é bióloga, professora titular da Escola de Ciências da Saúde e da Vida no Programa de Pós-Graduação em Ecologia e Evolução da Biodiversidade da Pontifícia Universidade Católica (PUC-RS) e conselheira científica da A.B.E.L.H.A.