Por Gisele Coutinho
O Pará Terra Boa conversou com o mestre chocolateiro Ernesto Neugebauer, da fábrica Danke, em Altamira (PA), sobre os segredos de um bom chocolate. Secagem e fermentação, além de um bom fruto só detectado por quem entende do riscado, são fundamentais para a qualidade do produto. Muitas vezes, chocolates de marcas internacionais apresentam uma quantidade máxima de açúcares para mascarar o cacau de baixa qualidade torrado demais para esconder defeitos. Aliás, nem sabemos se o que comemos por aí é realmente chocolate. A primeira parte da entrevista pode ser lida aqui.
“Como chocolateiro há 40 anos, é muito ruim ver gente sair do País e voltar com chocolate belga dentro da mala. Claro que a fabricação tem seus segredos, como dizem, o diabo mora no detalhe. Mas, sabemos que o ponto crítico é a qualidade do cacau. E o produtor paraense precisa ser incentivado a produzir com qualidade para valer a pena”.
Esse chocolate com tanta qualidade não vai apenas para o sudeste. A Danke vende em grandes redes de todo o País, inclusive no Norte.
A exigência, segundo o empresário, é que pelo menos 70% de amêndoas sejam marrons escuras, o que caracteriza melhor qualidade e é sinal de que o cacau foi fermentado e bem seco.
“Com uma faca, cortamos o grão ao meio para analisar o aroma. E a cor aponta que é um cacau com menos amargor e mais equilíbrio, que foi fermentado”.
A Danke conta com um degustador que vem da Bahia para o Pará provar as amêndoas e analisar a qualidade. Mas já está treinando degustadores paraenses para visitar produtores e ter o trabalho local.
Processo
Quando as sementes já secas do cacau estacionam na fábrica, passam por uma máquina para separar o grão do cacau de impurezas da floresta, como galhos e folhas. Depois dessa classificação são separados grãos partidos e cascas.
Então, esse cacau passa por um secador para soltar a pele, é higienizado a vapor para eliminar qualquer risco de contaminação, passa pela torrefação, um descascador para tirar a película, passa por peneiras e da semente ficam apenas o nibs quebrado, que é ensacado em uma gigante embalagem de uma tonelada.
“A saca vai para Tambaú, no interior de São Paulo, para ser transformada em pasta de cacau, a matéria-prima do chocolate. Outra parte do nibs moído em forma de liquor é prensado para obter a manteiga de cacau e obter o cacau em pó”, explica Ernesto.
O liquor de cacau que ele se refere é a parte fabricada a partir da moagem das amêndoas de cacau selecionadas, torradas e descascadas. E ele é comercialmente disponível em forma de lascas, em sacos de 25 Kg, e usado na indústria alimentícia para chocolates e derivados, coberturas e confeitos, produtos de panificação e confeitaria, sorvetes e sobremesas.
Logística
Um dos principais obstáculos na produção do produto de alta qualidade é a falta de tecnologia acessível no bioma, com todas as dificuldades que a Amazônia impõe, para a transformação do cacau em chocolate.
“A fábrica (da Danke) é literalmente no meio da floresta. Não conseguimos no Pará a manutenção dos equipamentos sofisticados que precisamos para a transformação do chocolate, nem qualificação profissional para prensar chocolate. Já na Bahia, as fábricas estão dentro de Ilhéus e Itabuna (cidades produtoras de cacau)”, diz.
Ernesto lembra que já foi muito pior.
“Essa operação exige uma viagem de aproximadamente 3 mil quilômetros. Quando chove, tudo isso é muito difícil. Mas, antigamente, antes da nossa fábrica, o cacau ia para a Bahia ser processado, para depois ir para São Paulo”, lembra o chocolateiro.
O posicionamento estratégico da Danke é estar próximo ao produtor, ter o relacionamento direto. Ele lembra que grande parte das processadoras de cacau na Bahia conta com muitas camadas de intermediários até o produtor. E são pequenos produtores que muitas vezes não conseguem ter acesso para vender.
“Temos vários veículos que saem às 6h para fazer a rota do cacau, para pegar 10 sacos de cacau em uma fazenda, 50 sacos em outra. É um trabalho miudinho direto com nossos parceiros”.
Quem vai até os produtores são funcionários registrados da Danke, sem intermediários, o que garante, além da relação próxima com as famílias produtoras e a qualidade do cacau sob controle, um pagamento mais justo ao produtor.
“A gente vê na hora a qualidade do cacau. Alguns têm condição de levar até a fábrica, até por morar próximo. Mas, mais de 90% nós que buscamos o cacau”.
Fermentação
Questionado sobre como é o trabalho do produtor para garantir qualidade e alcançar prêmios oferecidos pela Danke, o empresário afirma que muitos de seus fornecedores usam estufas de plástico, diferente da Bahia, que usa muito o secador à lenha.
“Depois de seco, com menos de 7% de umidade, o cacau não corre o risco de mofar. Algumas fazendas com menor capacidade agrícola, têm cacau com mofo interno e externo. Não é possível corrigir erro no cacau. Entra cacau de baixa qualidade, vai sair chocolate de baixa qualidade”.
O cacau mofado é, normalmente, vendido para a grande indústria.
“Acredito que o cacau do Pará, uma vez que todas as empresas estão na Bahia, é muito pouco explorado em sua qualidade, principalmente em produtos com alto teor de cacau. Naturalmente, pela qualidade do solo e questões climáticas, ele tem uma característica de ser menos amargo, menos adstringente. Ele tem um pouquinho menos de aroma que o da Bahia, menos complexidade”.
Por outro lado, Ernesto avalia que um chocolate com alto teor de cacau exige uma torra mais baixa para preservar os componentes do cacau.
“Quando tem baixa qualidade, você torra muito, que é o usado em chocolate mais comercializado hoje no Brasil, justamente por não usar um cacau fermentado. Isso significa que os precursores de aroma não foram formados na fermentação”.
Diferencial do Pará
A falta de apoio, seja privado ou público, à cadeia é como desperdiçar comida em tempos de carestia. O Pará reúne várias qualidades para oferecer o melhor chocolate do mundo ao mercado. Só que o setor tem esbarrado no desmatamento e na conseguinte expansão da pecuária.
“De toda expansão de cacau no Pará, cerca de 70% se dá em região de campo, ou seja, áreas que já foram desmatadas no passado. Não é fácil, tem muita semente de erva daninha e para a muda do cacau não morrer é preciso muito manejo para que o mato não tome conta. Se você tira o gado de cima, a floresta volta. A beleza é que o cacau é nativo, não é planta exótica. A fauna se aproveita, ele está dentro da casa dele. E ele crescer em região que já foi de pecuária, mostra que o cacau é mais economicamente viável que a pecuária em muita região”, analisa Ernesto.
Outro valor agregado ao produto é o respeito ambiental, uma vez que a atividade tem baixo impacto ecológico e pode facilmente ser consorciado com outras culturas, aumentando produtividade e mantendo a floresta em pé.
“Cacau é sinônimo de muita esperança e diretamente ajuda a floresta antropológica, já que sua presença envolve um trabalho tradicional. Ele tem a vantagem de gerar emprego para quem vive da floresta. É uma atividade econômica de baixíssimo impacto e colabora para a regeneração da floresta”, conclui.
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