Nas últimas semanas, o Pará Terra Boa ficou de olho nos conflitos ocorridos entre comunidades locais e fábricas de dendê no Pará. A reportagem recebeu vídeos de protestos contra algumas empresas, Agropalma e Brasil BioFuels (BBF), acusadas de avançar sobre áreas já demarcadas e ameaçar líderes comunitários.
Em uma das gravações, de fim de junho, indígenas e seguranças da BBF, em Tomé-Açu, discutiam. Na última sexta-feira, 1/07, outro vídeo mostrava manifestação de dezenas de indígenas do povo Tembé em frente à sede da BBF, com gritos “Fora BBF”. Os moradores têm sido impedidos, contam, de pescar e visitar cemitério na região. O acesso deles ao local só se dá mediante cadastro prévio pela Agropalma.
Nesta segunda, 4/07, o portal G1 falou em “guerra do dendê” porque quatro quilombolas já foram mortos, de 2012 a 2018: Abiair Amaral Gusmão e Josivane Amaral Gusmão, no distrito de Quatro Bocas, em Tomé-Açu; Artêmio Gusmão, na divisa de Tomé-Açú com Acará; e Nazildo dos Santos Brito, no ramal da Roda D’água, em Acará. Mas os conflitos se arrastam desde os anos 1980.
Questionada, a BBF informou que “vem sofrendo ameaças, roubos, furtos, extorsões e demais crimes praticados por um grupo de criminosos que atuam na região de Tomé Açu, no Pará, e que estão à frente desta manifestação realizada na data de 29 de junho”. A nota ainda diz: “Esses criminosos enganam moradores das comunidades que ficam no entorno das operações da empresa e manipulam questões sociais para acobertar práticas ilegais e delitos contra o patrimônio da BBF. A Companhia possui decisão judicial em ações possessórias, operando no local desde 2008”.
A BBF informou ainda que “respeita os limites de suas áreas e jamais exerceu qualquer atividade fora de suas propriedades”.
O mapeamento da Comissão Pastoral da Terra (CPT) mais recente, “Conflitos no Campo Brasil 2021”, registra que disputas associadas ao dendê envolvem mais de 750 famílias e ocorrem nas seguintes regiões:
- na cidade de Acará, entre a comunidade Bucaia, do Ramal São Lourenço, com a empresa BBF, antiga Biopalma, atingindo 60 famílias;
- nas cidades de Acará, Tailândia e Tomé-Açu, entre as comunidades quilombolas do Alto Acará e Balsas, com a empresa Agropalma, envolvendo 650 famílias;
- em Tomé-Açu, entre os indígenas Tembé da TI Turé-Mariquita I e II com a empresa BBF, envolvendo 47 famílias.
O que chama a atenção é a área das duas principais indústrias, Agropalma e a BBF. De acordo com o G1, a área somada das fazendas produtoras é de cerca de 535 mil hectares, que equivalem a aproximadamente 535 mil campos de futebol. Desse total, metade é destinada aos dendezais. O restante abriga moradias, criação de gado e plantações para sustento.
Os indígenas afetados, da etnia Tembé, vivem na Terra Indígena Turé-Mariquita, homologada em 1991, em Tomé-Açu, num espaço de 147 hectares. Já as comunidades quilombolas estão em três territórios: Amarqualta, Nova Betel e Balsa/Turiaçu/Gonçalves/Vila Palmares, sendo que este último teve documento com pedido de reconhecimento perdido nos arquivos do Iterpa (Instituto de Terras do Pará) e aguarda regularização.
“Você vê a menos de cem metros das aldeias a plantação de dendê e, até mesmo, dentro das comunidades”, afirmou o advogado Jorde Tembé ao G1 . “As comunidades acabam aceitando várias situações para manter uma boa vizinhança. Mas, com a chegada da BBF, os funcionários se mostraram plenamente combativos e intransigentes. Por conta disso, as comunidades se revoltaram porque não aceitam”, disse.
A Agropalma, do Grupo Alfa, dono do banco de mesmo nome e de empresas como C&C e La Basque, instalada na região no fim da década de 1980, na divisa de Tailândia e Acará, está em atrito constante com povos quilombolas que ali viviam e foram expulsos já naquela época, segundo o presidente da Associação dos Remanescentes de Quilombos Comunidade da Balsa, Turiaçu, Gonçalves e Vila Palmares do Vale do Acará (ARQVA), José Joaquim Pimenta.
Quilombolas tentaram retomar, em fevereiro deste ano, a área das fazendas Roda de Fogo e Castanheira, controladas pelo empreendimento e que estariam dentro dessa suposta sobreposição.
Riqueza local
É do dendê que se extrai o óleo de palma. Nossa terra boa é responsável por 88% da produção do produto, de acordo com a Associação Brasileira de Produtos de Óleo de Palma (Abrapalma). O óleo do dendê tem uma série de aplicações em diferentes indústrias, como a alimentícia, a química e na de cosméticos e biocombustíveis.
Em 2020, o Pará produziu 2,8 milhões de toneladas do óleo de dendê, segundo dados do governo estadual, informa o G1. Hoje, a tonelada é comercializada por cerca de US$ 1,7 mil, o que dá, na cotação atual do dólar, em torno de R$ 10 mil. Usando como base a produção daquele ano, seriam R$ 28 bilhões.
Pará Terra Boa mostrou aqui que o Cadastro Ambiental Rural é um dos primeiros avanços para a justiça ambiental prevista no Código Florestal. Porém, precisa ser aperfeiçoado. Segundo os dados do Serviço Florestal Brasileiro, até o dia 11 de abril de 2022, apenas 18,5% de CAR de um total de 6,5 milhões de imóveis rurais registrados no sistema no Brasil passaram por alguma análise e 0,4% foi concluída. E um gargalo que tira o sono de quilombolas está na sobreposição dos registros, ou seja, quando mais de uma pessoa registra, ilegalmente, um território público, como unidades de conservação, no sistema do Governo Federal.
O pesquisador Raimundo Magno Nascimento, de quilombo de Moju (PA), ressaltou em evento que lembrou os dez anos do Novo Código, promovido em maio pelo Observatório do Código Florestal, que “não lembra de ver cadastro que não tenha sobreposição de terceiros”.
Atualização em 6 de julho, com nova resposta da BBF:
“Resposta da BBF para o G1:
Na reportagem “’Guerra do dendê”, publicada pelo portal G1 (Grupo Globo), no dia 4 de julho (domingo), a Brasil BioFuels (BBF) esclarece que:
O cultivo da palma, principal atividade da empresa, é realizado de acordo com a legislação ambiental vigente e todas as suas áreas de plantio respeitam o Zoneamento Agroecológico da Palma de Óleo, programa criado pelo Governo Federal, em 2010, por meio do Decreto Nº 7.172/2010, cujo objetivo é recuperar áreas degradadas até 2007, com as diretrizes de proteção ao meio ambiente, conservação da biodiversidade e utilização racional dos recursos naturais, além do respeito à função social da propriedade. Desta forma, a BBF esclarece que respeita os limites de territórios citados na reportagem e atua apenas em suas áreas de posse, atendendo os critérios exigidos no decreto. A BBF exerce a posse pacífica, justa e ininterrupta de suas áreas desde que assumiu a propriedade que era exercida pela Biopalma no Estado do Pará, após sua aquisição em 2020. Além disso, a BBF ressalta que respeita os limites de suas áreas em relação à Terra Indígena Turé-Mariquita.
A BBF segue as melhores práticas internacionais para o manejo sustentável da palma e utiliza somente produtos permitidos por lei, sem emprego de agrotóxicos em regiões próximas às terras indígenas e quilombolas. A empresa realiza monitoramento do entorno das áreas de atuação em conformidade com os padrões definidos pelo Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama). Além disso, as atividades da BBF são classificadas como de baixo impacto ambiental pelos órgãos competentes, o que significa que não causa o envenenamento de rios e igarapés e não afeta os territórios em que vivem as comunidades indígenas e quilombolas. A empresa esclarece que não descarta rejeitos, mesmo porque dos frutos do dendê absolutamente tudo é utilizado, diferentemente do citado na reportagem utilizando-se do termo “tibórnia”. Depois de extraído o óleo, a água do cozimento do fruto é aproveitada para fertirrigação, ou seja, ela é devolvida para as plantas, nas áreas da empresa, como um processo 100% natural. Essa água do cozimento do fruto, que possui um odor característico, serve de adubo natural para as próprias plantas, evitando a utilização de matéria química. Essa é uma escolha da empresa, buscar o equilíbrio socioambiental e não utilizar fertilizantes em larga escala, mesmo detendo todas as licenças para isso.
Desde que indígenas e quilombolas invadiram muitas das áreas da empresa (mais de 10 mil hectares invadidos) para furtar e roubar os frutos do dendê, em razão do seu atual alto valor no mercado das commodities, a BBF está impedida de entrar em suas áreas e desta forma não consegue realizar a manutenção necessária nas plantas e manter o necessário equilíbrio ambiental. Além disso, existe o perigo real, e iminente, de insetos e pragas se espalharem por outros cultivos, não só de palma. Essa situação preocupante e muito prejudicial ao meio ambiente já foi comunicada formalmente ao Ministério da Agricultura e à ADEPARÁ, para que realizem esse manejo da fitossanidade, mas até agora a BBF não obteve resposta. Assim como não obteve qualquer resposta do poder público do Estado do Pará por ocasião do registro de mais de seiscentos e trinta boletins de ocorrência noticiando roubos e furtos de dendê, de maquinários e de tratores. Ainda, não houve qualquer resposta do poder público, do Estado do Pará, no que diz respeito a fazer cumprir as ordens judiciais de reintegração de posse e interdito proibitório favoráveis à empresa. A Companhia busca insistentemente apoio dos órgãos governamentais para solução do caso, fato que pode ser corroborado com dezenas de ofícios às autoridades do Estado, munícipios e até no âmbito federal. A BBF reforça que suas atividades não causam o envenenamento de rios e igarapés, não afetando os territórios em que vivem as comunidades indígenas e quilombolas.
A BBF mantém diálogo contínuo com as aldeias indígenas e com as comunidades quilombolas que coabitam regiões onde a empresa desempenha suas atividades produtivas, procurando sempre manter a boa convivência, promover o respeito ao meio ambiente e às culturas locais e tradicionais. Por meio desse relacionamento, estabeleceu-se um Termo de Cooperação e Compromisso (TCC) entre a BBF e três associações representantes de comunidades indígenas tradicionais: a Associação Indígena Tembé de Tomé-Açu (AITTA), a Associação Indígena Tembé do Vale do Acará (AITVA), e a Associação Tenetehar Tekwa-Haw Pytawa de Tomé Açu.
O TCC foi assinado com o objetivo de reforçar a relação de confiança entre a empresa e as comunidades e resultou em acordo voluntário entre as partes para promover o bem viver. O documento estabelece como diretrizes ações que deveriam ser do poder público, como por exemplo o acesso a água potável, segurança alimentar, educação e tradições culturais, sistemas produtivos e insumos e saúde. Esse termo de cooperação foi rompido pelos indígenas em novembro de 2021, em desacordo com a BBF.
Mesmo atuando em total legalidade, a BBF vem sofrendo ameaças e sendo vítima de roubos, furtos, extorsões e outros crimes, incluindo ameaças à integridade física de seus colaboradores. A empresa gera mais de 5 mil empregos diretos no Estado do Pará e as invasões promovidas nas áreas de propriedade da empresa têm prejudicado as atividades produtivas e a segurança dos colaboradores. Até o presente momento, a BBF já acumula prejuízos na ordem de mais de R$ 50 milhões, decorrentes das invasões, roubos, subtração de frutos, maquinários, incêndios criminosos e vandalismos contra a empresa. A companhia aguarda ações que resultem no cumprimento das ordens judiciais de reintegração de posse e interdito proibitório favoráveis à empresa. A BBF busca, insistentemente, o apoio dos órgãos governamentais para solução do caso, fato que pode ser corroborado pelas dezenas de ofícios enviados às autoridades do Estado, munícipios e até no âmbito federal.
Por fim, a empresa esclarece que não opera drones ou “aviões” como citados pela matéria, em nenhum território indígena ou quilombola, bem como não instala câmeras de segurança nessas localidades. A BBF utiliza equipamentos do tipo VANT (Veículo Aéreo Não Tripulado) em suas próprias áreas e com o objetivo específico de verificar, fiscalizar e impedir o cometimento de crimes ambientais em suas áreas de reserva legal e preservação permanente, buscando inibir o desmatamento ilegal. Por determinação legal e compromisso com o meio ambiente, a BBF tem a obrigação de monitorar as áreas de reserva legal e de preservação permanente que integram a propriedade da companhia. Por meio desse acompanhamento, a empresa denunciou inúmeras ações ilegais de desmatamento praticadas por terceiros, nessas localidades.
A BBF é uma empresa comprometida com o bem-estar das comunidades em que atua e tem o propósito de continuar gerando empregos, renda e desenvolvimento para a população local de forma sustentável e respeitando o meio ambiente.
A Brasil BioFuels se coloca à disposição deste veículo e da sociedade para esclarecer quaisquer questionamentos que surjam”.
Leia mais
Após ocupação, povo Tembé relata presença de ‘milicianos’ a mando da BBF
Sobreposição de CAR é obstáculo para implementação do Código Florestal