Os conhecimentos gastronômicos ancestrais indígenas já ofereceram aos amazônidas pratos como a maniçoba, o tacacá e o beiju, para encurtarmos os exemplos. Tradicionais na mesa dos moradores da região Norte do País, as receitas já conquistaram o Brasil. O sabor único se deve não apenas ao modo de preparo e ingredientes, mas também aos temperos e especiarias usados para realçar o sabor, como os diferentes tipos de pimentas.
Embora ainda pouco difundidos, os temperos cultivados por indígenas começam a ganhar espaço entre os produtos da sociobiodiversidade amazônica ofertados ao Brasil e ao mundo. É o caso da pimenta em pó, um mix de pimentas produzido por diferentes povos indígenas utilizado como tempero para peixes, carnes e outros alimentos.
Mulheres à frente
A mistura de pimentas produzida pelo povo WaiWai, localizado nas Terras Indígenas Trombetas-Mapuera e Nhamundá-Mapuera, no território conhecido como Calha Norte do Rio Amazonas, região norte do Pará, é identificada como Pimenta Assîssî.
Mulheres indígenas plantam, cultivam, colhem e beneficiam as pimenteiras, principalmente as mais velhas das aldeias, chamadas de tchatchas na língua Waiwai. Elas detêm o conhecimento tradicional dos processos de produção e manejo das pimentas – cujas cores variam entre vermelho, amarelo, verde e roxo. As pimentas são produzidas e utilizadas em diferentes níveis de maturação. Os processos de produção são artesanais e o resultado identificado como alimento artesanal. Do ponto de vista de gênero, é uma atividade majoritariamente feminina.
De acordo com Luis Wiriká, da Cooperativa Mista dos Povos e Comunidades Tradicionais da Calha Norte (Coopaflora), diversas aldeias produzem a pimenta.
“Atualmente, os indígenas produzem pimenta em quase toda aldeia, porque isso fica como se fosse cultura nossa, então pra gente utilizar no dia a dia, comer com a família, a gente tá utilizando, então quase toda aldeia está produzindo”, conta.
As plantas são cultivadas ao ar livre, prioritariamente em quintais próximos às habitações nas aldeias, diferentemente do que ocorre com outros produtos que são cultivados em roças, e são cuidadas com esmero por cada uma das produtoras. Embora incomum, há a possibilidade de compartilhamento das pimenteiras entre famílias.
“No quintal a gente cuida, observa, molha, é mais fácil pra coletar também. Os que estão na roça dá para coletar, mas não é suficiente porque nossa roça é distante também, dá pouco. O que garante a produção é no quintal”, contou produtora de pimentas na aldeia Takará.
Parceria
Os indígenas desses territórios se organizaram e buscaram parcerias para estruturar a cadeia produtiva, consolidar os empreendimentos comunitários e inserir a pimenta em pó no mercado. O projeto Florestas de Valor, do Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora), que conta com patrocínio do Programa Petrobras Socioambiental, atua para facilitar parcerias comerciais entre empresas e as comunidades.
Em 2017, segundo Marlúcia Gomes, então presidente da Associação de Mulheres Indígenas da Região do Município de Oriximiná (AMIRMO), a aldeia Mapuera recebeu fundos do terceiro setor para criação da entidade e foram implantadas áreas de plantio de pimenta na margem oposta à aldeia.
Marlúcia conta que o apoio atendeu a uma demanda de geração de renda que é constante nas aldeias.
“Quando nós criamos a associação de mulheres, eles perguntaram o que nós precisávamos de ajuda. Aí escolhemos a pimenta, fizeram uma reunião com todas as mulheres e elas aceitaram a pimenta, pensaram que isso daí daria uma ajuda pra elas, pra gente ganhar dinheiro”, disse.
O apoio do projeto à comercialização da pimenta Assîssî e outros produtos da sociobiodiversidade concentra suas ações junto à Cooperativa Mista dos Povos e Comunidades Tradicionais do Norte do Pará (Coopaflora).
Criada em 2018, a cooperativa busca viabilizar o escoamento da produção extrativista e da agricultura familiar nos territórios do Norte do Pará e surgiu a partir da necessidade de uma estrutura comunitária para ampliar o volume de oferta para empresas, além de reforçar a união dos grupos étnicos na defesa dos seus territórios. O empreendimento congrega indígenas Waiwai, Hixkaryana e Kaxuyana, além de quilombolas e ribeirinhos. As operações de comercialização ocorrem a partir da produção de castanha-do-Brasil, pimenta indígena, copaíba e cumaru.
O empreendimento conecta os produtores indígenas ao mercado e por meio do Origens Brasil®, rede idealizada pelo Imaflora, a pimenta assîsî chega aos consumidores, com rastreabilidade.
Sobre o Imaflora
O Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora) é uma associação civil sem fins lucrativos, criada em 1995 sob a premissa de que a melhor forma de conservar as florestas tropicais é dar a elas uma destinação econômica, associada a boas práticas de manejo e à gestão responsável dos recursos naturais. O Imaflora busca influenciar as cadeias produtivas dos produtos de origem florestal e agrícola, colaborar para a elaboração e implementação de políticas de interesse público e, finalmente, fazer a diferença nas regiões em que atua, criando modelos de uso da terra e de desenvolvimento sustentável que possam ser reproduzidos em diferentes municípios, regiões e biomas do país.
Sobre o projeto
O projeto Florestas de Valor é patrocinado pela Petrobras e Governo Federal, dissemina e fortalece técnicas de produção sustentáveis nas regiões norte e sudeste do Pará, por meio da agricultura de baixo carbono, práticas que emitem menos CO2 e contribuem com a redução das mudanças climáticas, e do fortalecimento das atividades extrativistas. A iniciativa do valoriza a floresta em pé. Serão implantados 180 hectares entre sistemas produtivos sustentáveis e reconversão produtiva de áreas degradas, combinando técnicas de Sistema Silvopastoril Intensivo, Sistemas Agroflorestais e Roça sem Fogo. Além disso, o projeto vai apoiar e fortalecer as atividades extrativistas por meio de atividades de capacitação em boas práticas de produção, facilitação de parcerias comerciais e assessoria às instituições comunitárias comerciais.