Uma das vozes mais influentes do mundo no debate sobre mudanças do clima, o cientista Carlos Nobre subiu o tom de alerta sobre o futuro do planeta, mais ameaçado que nunca pelo rápido aumento das temperaturas. Para se ter ideia, em 2024 foi superado o limite de 1,5°C de aquecimento em relação à era pré-industrial (época em que as ações humanas não interferiam no clima), o que era esperado apenas para 2028. Agora, caminhamos para um aquecimento médio de 2,5°C até 2050, o que nos aproxima dos pontos de não retorno climáticos, ou tipping points.
Em entrevista exclusiva ao Gigante 163, Nobre explica o que isso significa na prática e aponta a agropecuária sustentável, a restauração de biomas, a transição energética e o fim do desmatamento como estratégias para evitar o colapso ambiental. Pesquisador do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (USP) e co-presidente do Painel Científico para a Amazônia, ele também fala sobre o papel da COP30, em Belém, e sobre a urgência de que governos, empresas e sociedade civil se mobilizem por uma mudança global. ” A COP30 terá que ser a mais importante das 30 COPs’, afirma.
O senhor vem alertando que o mundo pode chegar em 2050 com 2,5ºC, o que pode disparar os pontos de não retorno. O que isso significa na prática?
Se a gente atingir a média de 1,5° nos próximos anos e nós continuarmos com essas metas [de redução de emissão de gases do efeito estufa], nós atingiremos no mínimo 2,5° em 2050. Isso é um risco que dispara muitos dos tipping points (pontos de não retorno). Eu menciono aqui só três para vocês verem: em primeiro lugar, isso praticamente leva à extinção de todos os recifes de corais que mantêm de 18% a 25% da biodiversidade oceânica. Nós vamos perder a Amazônia. Depois de atingir o ponto do retorno, entre 30 e 50 anos, nós vamos perder entre 50% e 70% da floresta amazônica, a maior biodiversidade do planeta e liberar de 200 a 250 bilhões de toneladas de gás carbônico para a atmosfera, que estão armazenados no solo e na vegetação acima do solo. E também vamos derreter muito rapidamente o solo congelado da Sibéria e do Norte do Canadá, Norte do Alasca, chamado permafrost. Com isso, vamos liberar também lá mais de 200 milhões de toneladas de gás de efeito estufa, principalmente o metano. Se isso acontecer, só esses pontos não permitirão a temperatura depois baixar para 1,5°. Então isso é só para mencionar alguns. Tem muitos outros pontos no retorno, eu mencionei esses para dar um bom exemplo.
Qual o prazo limite para revertermos esse processo?
Se nós de fato continuarmos com o aquecimento global, fica muito difícil reverter esse processo. Se a temperatura atingir 1,5° graus nos próximos anos, teremos que acelerar a redução das emissões muito antes de 2050, provavelmente vamos ter que zerar todas as emissões líquidas até 2040. Aí, a partir de 2040, é preciso ter muita remoção do gás carbônico da atmosfera, principalmente através da restauração dos biomas -no mínimo 7 milhões de km² em todo o mundo. Isso precisa acontecer e aí sim nós poderíamos chegar em 2100 não passando muito de 1,5°.
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Os resultados das Conferências das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COPs) vêm frustrando as expectativas sobre a eficácia dos acordos firmados. Isso pode mudar em Belém?
A COP30 em Belém não pode deixar de ser a mais importante das 30 COPs. Como lá atrás, em 2015, a COP21 em Paris foi a mais importante, porque foi a primeira em que os países todos fizeram suas metas de redução das emissões para não deixar a temperatura passar de 2°. Para isso, o que se falou ali foi reduzir em 50% as emissões até 2070 e zerar as emissões até 2100. Mas o IPCC lançou um relatório em 2018, mostrando o grande risco de chegarmos a 1,5° e na COP26, em 2021 em Glasgow, todos os países de novo concordaram que não podíamos deixar a temperatura passar de 1,5°.
Depois da COP26, a COP27 no Egito, a COP28, nos Emirados Árabes e a COP 29 no Azerbaijão não avançaram. Agora, com a temperatura já tendo atingido 1,5° já se mostrou que os extremos climáticos ficam muito mais vigorosos. Todos os extremos: ondas de calor, chuvas excessivas, secas, incêndios florestais, rajadas de vento, rápido derretimento de geleiras, rápido aumento do nível do mar, mais gás carbônico fica na atmosfera. Tudo isso está acontecendo. Então, sem dúvida, a COP30 terá que ser a mais importante das 30 COPs.
Como é possível evitar o colapso climático?
Historicamente quase 80% das emissões vem da venda de combustíveis fósseis, (petróleo, carvão, gás natural), então a transição energética tem que ser acelerada demais, isso é super urgente. Porque mesmo que zerássemos novas explorações, mesmo que não houvesse nenhuma nova exploração e só se utilizasse as minas de carvão, os postos de petróleo e gás natural que já existem, as emissões ainda seriam muito altas em 2050: ainda teremos 30% das emissões de gases de efeito estufa de hoje e isso praticamente torna impossível zerar as emissões em 2050.
E é lógico também [é preciso] começar gigantescos projetos de restauração florestal de todos os biomas do mundo, para também começar a acelerar muito a remoção do gás carbônico. O Brasil tem que zerar os desmatamentos e não é aquela de zerar o desmatamento ilegal, é zerar o desmatamento no geral, porque nós temos 3 milhões de km², pecuária, agricultura, silvicultura. Nós temos uma gigantesca área da produção agropecuária e não precisamos mais expandir.
E como a tecnologia e a bioeconomia podem desempenhar um papel fundamental na mitigação das mudanças climáticas e na preservação dos ecossistemas?
Precisamos desenvolver uma nova economia que nós chamamos bioeconomia. O Brasil tem a maior biodiversidade do planeta, de 15% a 18% de todas as espécies conhecidas de plantas e animais do mundo, mas os produtos da nossa biodiversidade são 3% a 4% do PIB brasileiro. Não são nada. Nós não valorizamos essa sociobioeconomia de floresta em pé. Mas ela é fundamental, porque quando nós fizermos isso, nós vamos zerar todos os desmatamentos e restaurar muito os biomas.
O senhor acredita que o mundo está suficientemente mobilizado para enfrentar essa crise?
O mundo não está totalmente preparado e mobilizado para enfrentar essa, que é a maior crise do planeta desde que que nós criamos as civilizações, há 11.000 anos, quando surgiu uma época ambiental, ecológica e climaticamente estável no mundo. Então, além de políticas governamentais, é essencial que as pessoas também percebam que elas podem ser sim o principal vetor para buscar soluções sustentáveis. Um pequeno exemplo: hoje as energias renováveis já são até mais baratas que outras formas de energia, então os consumidores mundiais têm que ir muito nessa direção.
Aqui no Brasil já existe muita produção agropecuária sustentável, ainda pequena perto da produção não sustentável, mas a população tem que utilizar seu poder para caminharmos rapidamente para uma transformação. No caso do Brasil seria não adquirir nenhum produto da agropecuária que venha de área desmatada ou de área que pegou fogo, só mesmo da agricultura pecuária regenerativa. E também na questão da energia, o Brasil tem toda a condição de acelerar muito a transição para energias renováveis.
Diante da grandeza desses desafios, o senhor se sente otimista quanto à capacidade da humanidade de agir a tempo?
É lógico que muita gente é mais pessimista, até pelo que estamos vendo globalmente, de candidatos políticos populistas e negacionistas sendo eleitos. No Brasil também tem crescido o número de políticos populistas que preferem ignorar o risco emergencial do clima, mas eu acho que nós temos que ser otimistas, porque senão nós vamos levar o planeta ao que a gente chama de ecocídio, que é um suicídio ecológico e depois de 2050 teremos um planeta quase inabitável.
Nós temos que confiar muito principalmente nas novas gerações. Nós temos que capacitar muito as novas gerações a buscarem toda a sustentabilidade, que faz sentido em tudo: melhora a qualidade do ar, diminui a poluição, reduz o aquecimento global, protege a biodiversidade e diminui o risco de epidemias e pandemias. Tudo isso mantém mais água, diminui o impacto de todos os eventos extremos. Então tudo isso é possível sim, mas as novas gerações têm que assumir a liderança e não fazer o que a minha geração fez. A minha geração foi aquela que a ciência mostrou o enorme risco que nós trouxemos ao planeta, mas as emissões nunca diminuíram.
Fonte: André Garcia/Gigante 163