Nesta véspera de 200 anos das comemorações da Independência do Brasil de Portugal, o Pará Terra Boa vai trazer conteúdos sobre algumas heranças deixadas pelos portugueses em nosso território. Uma delas é o conjunto de ao menos 23 cidades paraenses batizadas com o mesmo nome de cidades portuguesas. Sobre o assunto, conversamos com dois historiadores da Universidade Federal do Oeste do Pará (UFOPA), Luiz Laurindo e Wania Alexandrino.
Eles afirmaram que nomear igualmente as cidades foi uma das medidas de aportuguesamento da região levadas a cabo por Marquês de Pombal, na segunda metade do século 18.
“Ele incentivou o casamento interétnico, transformou aldeias em vilas e atribuiu nomes que remontavam a Portugal às mesmas. Vários historiadores já se debruçaram sobre isso, baseados em documentos da época, como o Diretório dos Índios”, dizem Luiz e Wania, em resposta conjunta.
Diretório dos Índios
O Diretório dos Índios foi criado em meados do século 18 para, entre outras atribuições, organizar a força de trabalho local, com habitantes nativos usados como mão de obra para o cultivo da terra e para a defesa dos ataques e tentativas de invasão de outros países europeus. Na prática, acabava com as missões religiosas, que vinham causando muitos conflitos locais.
O que se pretendia, com o Diretório, era inserir indígenas na “civilização”, que seria realizada de diferentes formas, como o ensino da língua portuguesa em escolas estabelecidas com tal finalidade, a adoção de nomes e sobrenomes portugueses, a construção de casas a partir do modelo europeu, a obrigatoriedade do uso de roupas e o incentivo ao casamento entre índios e brancos.
Além disso, o Diretório dos Índios regulou a distribuição de terras para o cultivo, as formas de tributação, a produção e comercialização agrícola, as expedições para coleta de espécies nativas e a prestação de serviços nos povoados.
Estrela solitária
Esse aportuguesamento forte da região explica em parte o fato de a então província do Grão-Pará ter decretado sua independência da Coroa Portuguesa só em 15 de Agosto de 1823, um ano após o Brasil decretar a Data Magna, em 7 de Setembro de 1822.
Por ter sido a última província a aderir ao movimento na antiga colônia portuguesa, o Pará está representando na bandeira brasileira pela estrela solitária na parte azul superior.
Naquela época, a divisão territorial era conhecida como província, originada das capitanias do Grão-Pará e do Rio Negro. Existiu de 1821 a 1889. Os portugueses inicialmente chamaram o território de “Terra de Feliz Lusitânia”, logo substituído por Grão-Pará para, finalmente, se tornar apenas Pará no ano de 1889.
A adesão do Pará à Independência foi um período tenso marcado por lutas, derramamento de sangue, como o massacre do “Brigue Palhaço” que provocou mortes e prisões na cidade de Belém. Outros movimentos também surgiram depois, como a Cabanagem, em 1835.
Hoje a historiografia mostra que a luta ia muito além de quem era contra ou a favor do reino de Portugal: havia divergências dentro da própria elite econômica, uns com ideias mais conservadoras e repressoras na política, outros menos, convivendo com uma infinidade de grupos distintos. Era uma colcha de retalhos.
Portugal amazônico
A influência portuguesa na região do Grão-Pará era tão grande que muita gente se reconhecia como português, já que ser brasileiro foi uma condição só construída mais tarde.
“Em várias cidades do Pará há vários traços portugueses preservados que remontam ao período colonial, como Santarém, Óbidos, Cametá, Bragança e a própria Belém. Há prédios, práticas culturais, a própria cartografia das cidades, entre outros”, contam.
Além dessas cidades, outros municípios paraenses homônimos são: Alenquer, Almeirim, Alter do Chão, Aveiro, Barcarena, Beja, Chaves, Faro, Melgaço, Monte Alegre, Nazaré, São Caetano de Odivelas (em Portugal, apenas Odivelas), Oeiras, Ourém, Porto de Mós, Salvaterra, Soure, Vila do Conde e Viseu.
Tema ambiental
Os historiadores ressaltam que não havia preocupação ambiental no período colonial, nem no século 19. Os portugueses, encantados com a diversidade da flora, como o cacau e a castanha, buscaram explorar as riquezas para encher o bolso da Coroa Portuguesa.
“A preocupação com preservação é do século 20. O que existia antes era uma visão utilitarista dos recursos naturais. Exploração da flora e fauna para melhor otimização colonial.”
As ações mais intensas do homem sobre a natureza ocorreram entre os séculos 18 e 19, por causa da Revolução Industrial na Europa.
“Foi no século 20, com a intensificação da inserção da Amazônia na economia mundial capitalista, que se verificaram os impactos mais devastadores. No Brasil como um todo, a degradação voraz ocorre na década de 1960, período militar”.
Eles lembram ainda que com o governo Bolsonaro, avanço de um agronegócio predatório e do garimpo ilegal, a degradação ambiental tem atingido índices alarmantes. “É a História do tempo presente”, finalizam.
Fonte: Da redação e Arquivo Nacional