Por Ivana Guimarães
Em continuação à série de conteúdos sobre as heranças portuguesas na cultura paraense, no contexto dos 200 anos da Independência do Brasil, o Pará Terra Boa conversou com o historiador André Machado, doutor em História Social e pesquisador da formação do Estado e da Nação no Brasil, estudando o processo de independência na província do Grão-Pará.
André contou um pouco sobre o reflexo da independência do Pará em levantes como a Cabanagem e ainda sobre o processo de aportuguesamento da província do Grão-Pará.
Quais os motivos que levaram a província a não aderir à Independência do Brasil em 1822?
André Machado – Na verdade, não era óbvio que a província deveria aderir. Quando olhavam esse cenário de dissolução do antigo regime, pouquíssimos observadores apostavam que as antigas províncias de Portugal na América se reuniriam todas em um único país que foi o Brasil, o mais provável seria que fossem outros panoramas. Existia uma série de interesses que eram diferentes em cada uma das províncias. No caso do Pará, havia aspectos que o ligavam mais a Lisboa, por exemplo, a facilidade de navegação e questões do comércio.
Se pode dizer que a construção do Estado Brasileiro se deu de forma pacífica por meio de um acordo entre elites?
André Machado – A ideia de que o Brasil se construiu de maneira pacífica é uma construção historiográfica que atende a uma perspectiva não de história, mas de projetos de nação que têm tudo a ver com o contexto do século 19, quando ela foi montada.
Era preciso se criar uma justificativa para o fato de se ter uma manutenção da mesma casa reinante, da colonização no império. Uma narrativa na qual a independência do Brasil é quase uma evolução, como se fosse óbvio que a colônia portuguesa na América se transformaria num país.
O caminho para o qual os historiadores têm seguido é de que a independência é apenas uma das soluções possíveis, por uma série de conflitos que aconteceram ali na virada do século 18 e 19. Na verdade, o que se tem é um mundo que vai não funcionando, que é o mundo do antigo regime. A questão do Pará querer ficar com Portugal ou com o Rio de Janeiro, por exemplo, era inclusive menor para uma parcela bem significativa da população. As questões que eram centrais nessa época e que estavam em disputa eram outras.
Quais são as principais heranças portuguesas deixadas no Pará?
André Machado – Esses padrões, digamos assim de heranças, adentraram nessa região de uma forma mais resistente ao longo dos séculos. Então, quando falamos da língua portuguesa que seria a herança mais óbvia, a entronização dela nessa região é muito lenta.
Quando se têm as reformas pombalinas na metade do século 18, a língua portuguesa era praticamente morta nessa região. Mesmo quando se estava no entorno do Centro Administrativo de Belém, a dificuldade de encontrar pessoas que conseguissem compreender ordens em português era enorme. E chegando ao processo de independência, a língua portuguesa não é a primeira ou a língua dominante nem mesmo em Belém. Então esse processo de afiliação dessas heranças no caso da fala é mais lento.
Como você explica a relação entre levantes como a Cabanagem e o evento da adesão do Pará?
André Machado – Eu parto da ideia de que no contexto da independência se tem um desejo de muitos setores da sociedade por mudanças que não acontece só no Pará, mas na Bahia, em Pernambuco, no Maranhão e em quase todos os lugares.
Essas perspectivas de uma independência mais revolucionária foram sufocadas, mas não eliminadas, e o que acontece é que muito disso vai ressurgir depois. Nesse sentido, acredito que muito dessa energia de mudança e de insatisfação que está presente na cabanagem e que todo mundo enxerga, também se encontra no processo de independência, mas isso é menos reconhecido pelas pessoas pela ideia de que a independência foi pacífica.
O que justifica o fato de que existem diversas cidades paraenses com nomes de cidades portuguesas?
André Machado – Na metade do século 18, se criou uma série de reformas na América, chegando até o Tratado de Madrid, que era um acordo territorial com a Espanha para definir quais eram os limites da colônia portuguesa e da colônia hispânica na América. Porque até então o que definia era o Tratado de Tordesilhas, um limite territorial muito pequeno que não incluía a Amazônia.
O tratado de Madrid definia que o que valia de fato era a posse da terra, ou seja, onde os portugueses de fato dominam, eles são os proprietários. Onde os espanhóis de fato dominam, eles são proprietários. O que definia era o povoamento.
A grande questão é que o território da Amazônia, digamos assim, tinha pouquíssimas cidades e vilas habitadas por brancos e a esmagadora maioria eram indígenas. Então, como Marquês de Pombal não podia levar uma grande quantidade de portugueses para habitar a Amazônia, ele resolveu que esses indígenas deveriam ser “transformados” em portugueses, criando várias novas vilas em cima dos antigos aldeamentos indígenas e trocando os nomes.
Esses aldeamentos indígenas tinham inclusive muitos nomes, como por exemplo Tapajós. Nesse contexto, Pombal vai dizer que uma vila portuguesa não pode ter nome indígena, aí eles colocaram justamente os mesmos nomes que existiam em Portugal. Então, por exemplo, Tapajós vira Santarém. Mas, na década de 30, quando Machado de Oliveira, um intelectual ligado aos indígenas, vira presidente da província, ele faz uma proposta e esses nomes voltam aos nomes indígenas. Porém, isso tem uma validade durante algum tempo e alguns anos depois voltam aos nomes originalmente portugueses.
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