Por Gisele Coutinho
A data oficial da abolição da escravatura no Brasil é 13 de maio. Engana-se quem pensa que é um marco a ser comemorado. Não é. Ainda mais pelo povo paraense, que presencia as mazelas do trabalho análogo à escravidão há séculos. Neste maio de 2022, o Pará Terra Boa mostra por que essa data não pode ser esquecida, ainda mais porque há uma escravidão moderna vigente hoje no Brasil, retratada no filme “Pureza”, que será lançado em 19 de maio.
A data é muito importante para reflexões de todas e todos, independente de raça. Afinal, racismo é um problema social de todos nós. Para se ter ideia da desigualdade social entre brancos e negros, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o desemprego entre os negros é 71% maior que entre a população branca.
Escravidão moderna
Dado como dia da libertação de pessoas negras do País, para lideranças dos movimentos negros, ao assinar a Lei Áurea, em 13 de maio de 1888, Princesa Izabel não afirmou nenhuma ação para garantir sobrevivência digna do povo negro sequestrado no continente africano e escravizado durante anos. Quando libertadas, essas pessoas não tinham roupas, comida, moradia, o que contribuiu e continua contribuindo com a perpetuação do racismo.
Tanto que, 134 anos depois, ainda vivemos casos de flagrantes de trabalho análogo à escravidão. De 1995 a 2020, foram encontrados 55.712 trabalhadores em condições análogas à de escravo em todo o Brasil. Somente no Pará, foram 13.225 resgates nesse período. As informações são do Observatório da Erradicação do Trabalho Escravo e do Tráfico de Pessoas.
No ranking nacional desse período, infelizmente, dos dez municípios brasileiros com maior número de vítimas resgatadas do trabalho escravo, nosso Pará ocupa quatro colocações. Ulianópolis, município no sudeste paraense, está em segundo na lista com 1.304 pessoas salvas. Em seguida, quase empatado, está São Félix do Xingu na terceira colocação nacional, com 1.140 pessoas. Marabá aparece em sétimo, com 809 vítimas e Santana do Araguaia com 774 em oitavo.
Pureza no cinema
E no Pará, a luta de uma mulher chamada Pureza Lopes Loyola, fez história. Em 1993, no Maranhão, a trabalhadora rural ficou sem notícias do filho, vendeu tudo o que tinha e saiu em uma jornada de três anos à procura dele. No trajeto se deparou com trabalhadores vítimas de maus-tratos e em situação semelhante à escravidão.
O reencontro de mãe e filho aconteceu três anos depois no Pará, quando ele conseguiu fugir de uma fazenda da região. A saga dessa maranhense foi parar no cinema. O diretor Renato Barbieri diz que o filme Pureza levou 12 anos para ficar pronto. Ele, que trabalha há décadas com temas ligados à escravidão, conheceu os detalhes dessa busca por meio de um amigo fotógrafo, e se inspirou na coragem de dona Pureza para contar a história.
Esse encontro das telas de cinema com a vida real envolvendo a realidade cruel do trabalho escravo e a força do amor de uma mãe estreia dia 19 de maio nos cinemas. A atriz Dira Paes vive dona Pureza à procura do filho. De fazenda em fazenda, Pureza ouviu relatos dramáticos de trabalhadores que poderiam ser mortos se tentassem se rebelar ou fugir.
Com a ajuda da Comissão Pastoral da Terra (CPT), ela entrou em contato com o Ministério do Trabalho e o Ministério Público do Trabalho no Maranhão, no Pará e em Brasília. Chegou a escrever cartas para três presidentes da República: Fernando Collor, Itamar Franco (o único que lhe respondeu) e Fernando Henrique Cardoso. Até hoje, ela guarda uma cópia de cada uma dessas cartas.
A batalha de Pureza para encontrar Abel deu impulso decisivo à criação, em 1995, do Grupo Especial Móvel de Fiscalização, que uniu auditores-fiscais do trabalho, policiais federais e procuradores do trabalho para viabilizar o cumprimento da lei e a observância de direitos trabalhistas em todo o território nacional. Em 1997, Pureza recebeu em Londres o Prêmio Anti-Escravidão da Anti-Slavery International, a mais antiga organização de combate ao trabalho escravo em atividade no mundo.
Hoje, ela vive com seu filho Abel em Bacabal (MA). O longa é vencedor de 28 prêmios nacionais e internacionais e a história dessa mãe se tornou um símbolo do combate ao trabalho escravo contemporâneo.
Para lembrar
Além de toda a reflexão sobre o 13 de Maio, outra data que precisa ser lembrada e que promove diversas reflexões é o dia 28 de janeiro, Dia Nacional de Combate ao Trabalho Escravo, data que relembra a chacina de Unaí (MG), em que três auditores fiscais do trabalho e o motorista (Nélson José da Silva, João Batista Soares Lage, Erastóstenes de Almeida Gonçalves e Ailton Pereira de Oliveira) foram brutalmente assassinados no município de Minas Gerais, durante uma operação que investigava denúncias de trabalho análogo à escravidão.
Fonte: Agência Brasil, Comissão Pastoral da Terra e CUT